sábado, 7 de novembro de 2015

A Escola Técnica Major Joaquim Araújo




Num dia destes senti-me por algum tempo, num desafio à reflexão quiçá tocado pela nostalgia,  obrigado a exercitar a memória numa espécie de viagem a belos momentos que passo a evocar, tocado por uma levitação em que cada pormenor se encaixa como num puzzle. É por essa visão que eu caminho em direção à Escola Técnica Elementar Major Joaquim Araújo(hoje Escola Secundária Estrela Vermelha)e por diversas razões. Primeiramente porque aquele estabelecimento escolar, se situava a pouco mais de uma centena de metros da casa onde habitava. Dada a aproximação, sentia o soar das campainhas como algo familiar. Fui crescendo, como foi ganhando visibilidade a imponente construção, talvez das mais ousadas do parque escolar do espaço português. Foi inaugurada com pompa e circunstância no longínquo ano de 1963, com a implantação de um moderno padrão de arquitetura que assentava no chamado Movimento Moderno Internacional, baseado na conjugação de fatores climáticos. Recordo que para levar a efeito a gigantesca obra, foi necessário interromper a Av. 31 de Janeiro( hoje Agostinho Neto) terminando por ali a citada artéria e veio a ocupar o espaço da Albergaria Municipal, lugar que servia de garagem para as viaturas municipais de recolha de resíduos sólidos e ambientais , como também foi eliminado o velhinho campo de futebol do Grupo Desportivo 1º de Maio, onde pela mão do meu saudoso pai ia assistir aos jogos do campeonato distrital e outros desafios. O portão principal com o distintivo da escola, localizava-se na Av. J. Serrão (hoje Emídia  Daúde), mesmo defronte do edifício da Sociedade Protetora dos Animais. Era ladeada pela Av. Luciano Cordeiro(hoje Albert Luthuli)e pela Av. General Machado (hoje Guerra Popular) e terminava na Av. Gomes de Freire( Paulo Samuel Kankhomba). O outro portão aberto, durante as horas úteis , servia o parque de estacionamento destinado ao corpo docente e funcionários. Mesmo em frente, lá estava o hangar dos machimbombos municipais. A localização da Escola tinha como base servir a grande área suburbana da cidade, resultando desse fator a frequência de milhares de alunos de todos os extratos sociais, acabados de concluir a antiga quarta classe. Nenhum aluno do sexo masculino poderia entrar para o interior da escola sem envergar à entrada um blusão azul ,exigindo-se às  alunas  o uso da  caraterística bata branca. Uma medida que visava de alguma forma, minorar qualquer referência social que pudesse ser descortinada no uso de vestuário, situação prevista no regulamento interno da escola. Logo à entrada , um pequeno gabinete onde pontificava à porta o Senhor Marques, chefe dos contínuos e sempre observante  das  traquinices própria da nossa irreverência. Quando ultrapassava-mos as marcas, lá vinha o tradicional carolo tarimbado pelos seus dedos espessos. Ao lado um pequeno posto de enfermagem, destinado à visitadora a quem cabia a vigilância de problemas de saúde da população escolar. Contiguamente o gabinete do diretor, sala dos professores, a secretaria e creio as instalações da biblioteca, onde fazíamos fila para requisitar os livros de aventuras da escritora Enid Blyton. Intercalado entre os pavilhões à esquerda e direita, constituídos por edifícios de três pisos com largos varandins , estendia-se um longo passadiço coberto que findava junto às oficinas de trabalhos manuais e o bar-refeitório, sempre apinhado no intervalo do lanche matinal. Esse largo corredor era uma espécie de passerelle , por onde circulavam nos intervalos, grupinhos de rapazes e raparigas trocando olhares matreiros. Descendo os últimos degraus, deparavam-se as salas de desenho e antes de se direcionar para a zona dos ginásios e balneários, o moderno auditório em anfiteatro para as aulas de canto coral, onde subíamos os seus degraus entoando as notas musicais. Havia depois um escadario mais acentuado em direção ao parque desportivo. Mas se bem se lembram alguns, existia entre os ginásios e o auditório um grande largo alcatroado, onde às sextas feiras à noite , eram projetados ao ar livre, filmes para os alunos e seus familiares. As mais de cem cadeiras ali expostas, esgotavam-se rapidamente, assistindo ainda muitos de pé ao desenrolar da película. O patamar inferior da escola era reservado na totalidade para a prática desportiva. Para além das pistas de atletismo, havia rinques e num deles chegou-se a jogar hóquei em patins. A sua bela piscina, onde eu e os meus irmão aprendemos a nadar, nas férias escolares, dado que havia por parte do conselho diretivo, abertura para comunidade mais jovem aproveitar da melhor forma, o tempo de descanso. O recinto para a prática do basquetebol( hoje muito degradado tal como a escola) traz-me à lembrança as muitas partidas disputadas quase em catadupa, pela malta do bairro e arredores, que nos interregnos dos períodos escolares, começavam pela manhã, prosseguiam à tarde e só findavam nos limite das forças. Como uma bola fazia a felicidade de todos. Abstraindo-me agora da zona desportiva, subo novamente o escadario e revejo-me como se fosse hoje, no espaço dos pavilhões (oficinas) de trabalhos manuais. Para além da aprendizagem de várias disciplinas, era ali que começávamos a crescer paulatinamente para as artes. Aprendíamos o bom manuseamento das ferramentas de trabalho e, executávamos belos trabalhos em madeira, ferro, cartão e arame, dando expressão à criatividade que brotava do interior de cada um de nós. Quase todos fizemos com especial carinho, o livrinho de autógrafos ainda hoje guardados religiosamente em qualquer baú, assinados por colegas, professores e namoradas do nosso imaginário. Ainda me lembro da minha velhinha serra de rodear, utilizada para trabalhos em  contraplacados e que tínhamos de levar de casa. Frontalmente às oficinas ,ali estava recolocada uma árvore frondosa, circundada por uma proteção em forma de manilha, recuperada da artéria que foi necessária encerrar. Ao fundo um coberto, onde nos intervalos jogávamos ao lenço e a grande área térrea, onde era comum jogar ao berlinde, caraterizada pelas inúmeras rubras acácias que contrastavam na perfeição, com o vermelho das folhas das plantas hibísceas  entrelaçadas pelos os arames, que serviam de vedação para o passeio público. Concluída esta passagem por salas e corredores, para trás ficaram momentos muito especiais a marcarem a nossa transição escolar, para o ensino comercial e industrial. Apesar do pouco tempo que fui   discípulo da Joaquim de Araújo  e, que te tive como vizinha amiga e companheira, jamais esquecerei que um dia fizeste parte da minha vida.

Manuel Terra

quarta-feira, 24 de junho de 2015

A Seleção que prestigiou o Hóquei Moçambicano





Por alguma razão as recordações são sempre cativas da memória, que se libertam com fascínio  e navegam na crista de quem conversa ou evoca ciclos pejados de acontecimentos, que jamais se poderão encerrar como cortina corrida sobre qualquer janela. Da bruma do tempo, saltita-me a propósito do estágio em Portugal da seleção de hóquei em patins de Moçambique antes de partir para o Mundial de França, a célebre participação de uma seleção de hoquistas de Lourenço Marques ,para representar Portugal no Torneio de Montreux  na Suíça em 1958. A década de 50 ficou marcada pela afirmação do hóquei em patins luso no panorama mundial, mas em Moçambique essencialmente as equipas da capital começavam a dar nas vistas, face às grandes exibições relevantes conseguidas na digressão à Metrópole, onde o Sport Lisboa e Benfica e Seleção de Lisboa, vergaram perante a classe e talento da seleção de LM. A paixão pela modalidade entranhou-se nos laurentinos, face aos sucessos conseguidos e o momento de êxtase levou a que o Clube Ferroviário local integrasse  nas  festas da cidade, a Seleção da Catalunha espinha dorsal  do conjunto espanhol, convidada a participar na  capital moçambicana num torneio alargado . Os” nuestros hermanos”, talvez convencidos de que iriam ter umas merecidas férias em África , foram surpreendidos pela qualidade do hóquei praticado na pérola do Índico e, no jogo derradeiro  frente à Seleção de LM que teve lugar no Pavilhão do Malhangalene(hoje Pavilhão Estrela Vermelha) à época o único recinto coberto e com o piso revestido a taco, a lotação esgotou e o público vibrou com a retumbante vitória por (5-1) frente aos experimentados hoquistas espanhóis. Se porventura algumas dúvidas existissem sobre a transcendência da modalidade em Moçambique em relação ao nível praticado na Metrópole , a verdade é que as exibições e os resultados deixaram uma mensagem objetiva de que na então Lourenço Marques, morava o melhor hóquei patins praticado no Mundo. Como não poderia deixar de ser, o sucesso ganhou eco tal a forma como a rádio e a comunicação social  o realçaram, enchendo páginas dos jornais a evocarem o interesse nacional de serem chamados à seleção nacional, os atletas ultramarinos. Com os canhões a trovarem, a Federação Portuguesa de Patinagem como que num teste de aferição, enviou então para o Torneio de Montreux a terceira no ranking da modalidade, a seleção dos hoquistas laurentinos até terras helvéticas. Integraram a comitiva, Souto, Abílio Moreira, Bouçós, Carrelo (irmão de Acúrsio guarda redes de futebol, do FC do Porto e também hoquista), Velasco, Fernando Adrião, Romão Duarte, Vítor Rodrigues  e os guarda redes Passos Viana e Moreira. Na bagagem carregaram a palavra esperança, o mesmo ideal que alastrou por toda a população de Moçambique .  Com a FPP a esperar para ver, a seleção a representar Portugal foi-se desvencilhando dos adversários diretos até à desejada final com a congénere espanhola, ávida de desforra. O desejado ajuste de contas foi fatídico para as cores do cinco de Espanha, que a vencerem com dois golos de avanço devem ter esfregado as mãos de contentes, só que jogadores de grande gabarito como Velasco , Adrião e companhia levaram  as suas faculdades ao extremo , deram show e arrebataram o troféu vencendo por (4-2). A imprensa desportiva da modalidade, rendeu-se à classe e poderio dos laurentinos. Em Lourenço Marques, a seleção foi recebida em ambiente de apoteose no velhinho aeroporto de Mavalane e, transportada para o edifício da Câmara Municipal para a justa consagração. Foram uns autênticos heróis, que jamais serão esquecidos na história do hóquei português. Doravante passaram a ser chamados por mérito próprio , às convocatórias dos Campeonatos da Europa e do Mundo. Recordo com muita saudade os célebres relatos das produções Golo, com os radialistas a gritarem os golos de Velasco e Fernando Adrião. Os rádios transístores estavam na moda e era só ver a malta com o retângulo sonoro colado ao ouvido, a rejubilarem com os seus ídolos. Em LM criou-se uma espécie de hóqueimania , com os jovens da minha geração a jogarem hóquei nos largos passeios, recorrendo a sticks improvisados e trabalhados por nós e, uns pequenos barrotes de madeira a servirem de balizas. Poucos eram os que tinham patins, mas isso não era muito importante. Os transeuntes eram tolerantes e até paravam para nos verem jogar. Lembro-me do velhinho ringue do SNECI(Sindicato dos Empregados do Comércio e Industria), mesmo defronte do moderno prédio dos SMAE(Serviços Municipalizados de Água e Eletricidade), um verdadeiro ninho de grandes hoquistas, assim como o ringue do Desportivo, Ferroviário, Irmãos Maristas e da grande cratera do Instituto Mouzinho de Albuquerque na vila da Namaacha. Tenho na retina o alargado Torneio Internacional de LM em 1964, no recém inaugurado Pavilhão de Desportos do Sporting com capacidade para 6000 assistentes , a abarrotar pelas costuras. Ia ver os jogos na companhia do meu saudoso pai. Foi essa grande geração de hoquistas, a força propulsora  e preponderante de novas conquistas. Sucederam-se campeonatos nacionais, Taça de Portugal e a grande equipa do Grupo Desportivo de Lourenço Marques, a perder para o Barcelona em 1974 a final da Taça dos Campeões Europeus , onde pontificavam Fernando Adrião (em fim de carreira) Rousseau, Abílio Moreira (também quase a  pendurar os patins), José Pedro, Amílcar, Borges, Fernando António, Carlos Pereira, dignos seguidores dos lendários Velasco e Adrião. Foi o último grande feito antes da Independência de Moçambique. Depois foi o êxodo de muitos praticantes, a viajarem para Portugal e a atuarem em várias coletividades locais. Curiosamente o povo moçambicano não perdeu a paixão pela modalidade, a exemplo de Angola e a Seleção da África do Sul, constituída praticamente por descendentes de portugueses. Moçambique tem feito grandes progressos na modalidade e o entusiasmo vai crescendo gradualmente face aos excelentes resultados nos Mundiais de 2011 e 2013, tornando-a na melhor formação do continente africano. Que sejam agora no Mundial em França, tão felizes como aquela seleção que deslumbrou o mundo , já lá vai mais de meio século.

Manuel Terra

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Praça de Touros Monumental



Vasculhando há alguns dias jornais moçambicanos, deparei-me com a desagradável noticia da atual situação porque passa a antiga praça de Touros, a Monumental completamente virada de costas para o passado, onde a sua traça circundante e as letras que já vão faltando no topo da porta da entrada, são um símbolo de um tempo áureo que já passou. Atualmente é o centro de muitas lojas informais  e oficinas de reparações de automóveis, jorrando pelos terrenos envolventes os óleos  dos carros e outros detritos, provocando o amontoado de lixo um cheiro nauseabundo,  dado  o excesso de vendedores ambulantes pouco apoquentados por questões ambientais. Despeço-me por momentos do presente e acerto a ligação com as memórias. Lembro-me como se fosse hoje, como era a Praça Monumental na década 60  construída  contiguamente à  Av. General Craveiro Lopes (hoje Av. dos Acordos de Lusaka) e muito próximo do Bairro da Malhangalene, em lugar privilegiado e com parque de estacionamento térreo. Muito pela presença dos portugueses, a festa brava foi ganhando tradição em LM e as faenas iam-se realizando no período do Ano Novo, Páscoa e comemorações do dia da cidade. Quem ajudava a encher a Monumental em dia de afición , eram os milhares de turistas sul-africanos e rodesianos; muitos deles a gozarem férias não perdiam a oportunidade e era vê-los  nas bancadas com as suas balalaicas brancas e chapéus de sol, munidos de  potentes máquinas fotográficas, para colherem  instantâneos guardados para a posteridade . Recordo ainda como garoto e levado pela mão do meu saudoso pai, a minha ida à Praça de Touros para assistir a um dos maiores espetáculos de touros até então realizados na capital moçambicana e, que tinha como protagonistas a fina flor da arte tauromatica   portuguesa, nada menos do que Manuel dos Santos e Diamantino Viseu num mano a mano empolgante, que entusiasmava e fomentava paixões entre os aficionados , partidários de um ou do outro, artistas que envergando os seus trajes de luces  puxavam pelo o público e a cada faena, faziam levantar os entusiastas que não regateavam fortes aplausos aos momentos mais arrojados na arena. As pegas ficavam a cargo do Grupo de Forcados de Xinavane. Pela Praça de Touros  Monumental passaram outros nomes sonantes da Festa Brava, lembrando Ribeiro Telles, Mestre Batista , José Júlio, Luís Veiga entre muitos outros famosos na época. Não sendo propriamente um simpatizante destas lides, desloquei-me várias vezes à Monumental para assistir as delirantes garraiadas, organizadas pelos estudantes universitários para angariação de fundos. Dada a sua considerável estrutura, foi feito o aproveitamento do espaço por baixos da bancadas, construindo-se lojas e um restaurante . Após o 25 de Abril de 1974, cessaram as touradas e na Monumental nasceu um mercado de venda de frutas e produtos hortícolas onde ainda tive a oportunidade de fazer algumas compras. Com os acontecimentos do 7 de Setembro foi saqueado e encerradas as portas da Monumental. Sendo prometido um projeto para requalificação da Monumental, até aos dias de hoje ainda não passou de uma intenção . Tempo para lembrar que foi naquela arena, em trabalhos de arranjos a proporcionar depois a entrada gratuita, que um menino negro repleto de sonhos e paixão pela arte de tourear , não passou despercebido ao empresário Alfredo Ovelha , que se apercebendo dos dotes do rapazote, depressa o enviou para a Metrópole e o recomendou a Manuel dos Santos. Esse menino chamava-se Ricardo Chibanga, o único negro matador de touros que eu conheci, a quem a destreza e valentia não passava despercebida aos aficionados, sendo em 68  num ambiente de apoteose  levado aos ombros no Campo Pequeno. Para além de passear toda a sua classe e fama  que correu o mundo, a Monumental da antiga Lourenço Marques teve o privilégio de o acolher numa atuação, como cabeça de cartaz. Sabendo de antemão que os povos africanos não têm uma cultura virada para a Tauromaquia, seria da mais elementar justiça que no futuro, aquele espaço fosse requalificado sem perder a sua preciosa traça e que o nome de Ricardo Chibanga fosse perpetuado, nos anais da História de Moçambique. O tempo da chamada já vai longo; desligo e no fim de linha ainda pareço ouvir os vibrante olés oriundos das bancadas superlotadas, agora substituídos pela azáfama e pregões dos vendedores que tudo anunciam ao preço da chuva. Mas eternamente haverá sempre sol-e- sombra , na Monumental da cidade das acácias.

Manuel Terra