sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Recargas

 

Depois de uma peregrinação de duas horas, a pé, visitando os locais mais emblemáticos da minha mocidade vivida em Maputo, fiz uma pausa retemperadora, num café do Alto-Maé.
O sumo de Lichia parecia caído do céu. À medida que o copo se esvaziava as forças voltavam, dando-me a confiança necessária para continuar por mais umas horas a minha romaria.
Enquanto regalado, fazia o ajuste de contas com o desejado néctar, reparei que em frente ao balcão do café, se alinhava em fila indiana gente que após breves instantes saía dali com uma  “tira “ cheia de cartões do tipo “raspadinha “ , depois de aliviarem o bolso de alguns meticais.
Aquele vaivém de pessoas que pareciam viver um ritual habitual, despertou-me a curiosidade.
E como gosto pouco de guardar dúvidas, solicitei um esclarecimento ao cortês empregado de mesa.E disse-me ele, que aquele movimento, para mim  inusitado, se devia à venda de recargas.
Fiquei na mesma. O que seriam as ditas “recargas”?
Não quis abusar da disponibilidade do referido empregado e saí com a dúvida a morder-me os neurónios.
Na rua, tinha já reparado em inúmeros jovens, que vestiam um colete de um amarelo, luminescente com a inscrição “ Compra o teu giro comigo”.
Assim, da dúvida à certeza foi um instante. Aqueles jovens, traziam consigo as tiras com recargas para telemóveis. Percebi então que em função do valor pago pelo cliente, assim era entregue o cartão do tipo “raspadinha”
O cliente que vira baixar o  saldo do seu telemóvel  para níveis preocupantes, adquiria esses cartões e raspava a zona criada para esse efeito, pondo a nu um código de vários números. Esse código era introduzido no telemóvel, e como que por magia o  Bula Bula (*) regressava às máquinas.
Esses jovens creditados para a venda das recargas, percorriam toda a cidade, muitas das vezes em grupos de dois, e onde estivesse a necessidade do cliente, estavam eles em forma de solução instantânea. E  pensei  que esta situação era mais uma oportunidade para aplicar o ditado “Se Maomé não vai à montanha a montanha vai à Maomé”
Não estando as novas tecnologias, em Moçambique, ao alcance de muitos, como acontece na Europa, as empresas de telecomunicações encontraram uma forma rápida e eficaz de colocar à disposição dos clientes, estas máquinas humanas de colete vistosos, sempre tão prontos a satisfazer os clientes.
Parece-me que esta forma de simplificar os problemas com recurso a metodologias criativas, é uma característica  vincada do povo Moçambicano que sabe aguçar o engenho quando a necessidade aperta.

Aurélio Terra

(*) do Tsonga, significa conversar

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A antiga praça

 

Nas viagens ao passado, repetidamente retocadas pala emoção e saudade, a antiga Praça 7 de Março (hoje 25 de Junho) merece necessariamente motivo de realce. Segundo rezam, as crónicas da época, aquela praça outrora um modesto jardim foi o berço do nascimento da bela cidade das acácias. Foi daquele local que se traçaram a régua e esquadro, as artérias que ligariam a parte baixa à ala mais elevada da cidade. Ficava a dois passos de tudo e, configurava com a célebre casa amarela, antiga residência dos governadores (hoje Museu Nacional da Moeda) com o Banco BCCI e com a antiga Fortaleza. Em frente encontrava-se erguido o monumento a António Enes e a porta de acesso à zona portuária, por onde passei inúmeras vezes para apanhar o “gasolineiro” que fazia a travessia da Baía Espírito Santo com destino à Catembe. Recordo o seu bem concebido coreto, onde atuava a Banda musical do Ferroviário e a zona das esplanadas rodeadas de canteiros de flores garridas e de um arvoredo protetor contra o sol inclemente. Olho-a e vejo a famosa esplanada do Café Nicola, onde os seus habituais frequentadores, entre uma meia de leite e uma torrada, folheavam páginas dos matutinos citadinos e alimentavam conversas, que não se falando de nada, falava-se de tudo. Por lá terminavam os passeios clássicos de famílias e amigos, depois de repousarem nos tradicionais bancos de ripas à fresca. A garotada corria pelos passeios e interiores em brincadeiras próprias da sua exuberância à espera do apetecido lanche, quase sempre uma arrufada ou uma bola de Berlim, acompanhada de uma Coca-Cola bem gelada. Ao entardecer como era agradável sentir o cheiro de maresia, emanado do Cais Gorjão. Também me lembro que nesse espaço verde se realizavam feiras do livro. Hoje quanto sei têm lugar na Praça todos os sábados, feiras de artesanato muito procuradas por todos os turistas que deambulam pela Baixa, à procura de uma valiosa recordação. A antiga praça jamais perderá a virtude de se tornar num símbolo histórico, que marcou várias gerações de gente que a conheceu e lá viveu.

Manuel Terra

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Maputo-Cidade viva

 

Começa bem cedo o dia, em Maputo.Assinala o relógio as 5h30  e percebe-se logo que a cidade vai encher. Oriundo  de todos os quadrantes, como formiguinhas seguindo o seu carreiro, “desagua” na Capital, gente com os mais diversos fins.
Num ápice a memória se socorreu de lembranças passadas, fazendo-me recordar  que nos meus tempos de estudante, naquela terra,  acordava bem cedo para estar a horas na escola, onde às 7h15 começavam as tarefas escolares.
Os acessos rodoviários à cidade de Maputo, congestionam-se. Os “chapas” (1) não têm rodas a medir. Vão e vêm repletos de gente, que se comprime para criar, sempre, um lugar para mais um.Parecem não ter paragens muito definidas.Sempre que há gente para entrar ou sair, a paragem faz-ze. A utilidade deste meio de transporte é inquestionável, embora os padrões de segurança sejam letra morta.
Para a Catembe, partem apinhados de gente, os ferry-boats. Saem a toda a hora.O serviço é contínuo. È partir, chegar e voltar a partir. Não há pausas.
As ruas de Maputo, em pouco tempo, conhecem uma multidão numerosa e compacta.É gente que vende, gente que compra, gente que passeia, e gente que não dispensa um “bom dia” à prazenteira terra, mesmo que seja apenas para dedicar parte do seu tempo à Bula Bula (2).
Ao fim do dia, e com a noite  instalada, olhava para a cidade a partir da varanda do hotel. Impressionante a velocidade a que a cidade se tinha despedido da sua gente. Não descortinava uma viva alma.Parecia mesmo que alguém tinha tirado o tampão da cidade e que por aí se tinha escoado a povoação. Puro engano! Na zona do Zambi e da Polana os restaurantes dignos desse nome estavam quase a rebentar pelas costuras. Nas mesas, gente de todos os feitios e cores parecia estar a começar o seu dia, tal era a vivacidade  com que trocavam dois dedos (seriam mais) de conversa, enquanto davam ao marisco acompanhado duma Laurentina, preta ou dourada, o destino que lhe foi traçado, a partir do momento em que consultaram a ementa.
Claro que não se come só marisco, nem se serve de bebida apenas  cerveja. Os amantes de uma boa carne também não ficam decepcionados, mesmo que queiram acompanhá-la com um bom vinho português.Neste caso, terão que puxar um pouco pelos cordões à bolsa.Há sempre a alternativa dos vinhos sul-africanos, que castigando menos a carteira, também apresentam uma apreciável qualidade.
Na zona da boa restauração, onde se vive com intensidade o último terço do dia, é sempre bom ver , a presença de forças de segurança, quer privadas quer públicas.
E no fim do dia, pensava para mim, que isto de se ser Africano (de nascença ou  de coração)é  uma forma muito própria de se estar na vida, mais do que o próprio facto de se ter nascido naquele continente.
Que bom foi reencontrar Maputo cheio de vida!

Aurélio Terra

(1)mercado paralelo de transportes rodoviários semi-colectivos, em média com uma capacidade para 12 pessoas, explorados por privados

(2)do tsonga significa conversar