quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O meu Desportivo




Fui tocado há alguns dias, pela notícia da despromoção do Grupo Desportivo de Maputo (ex-Grupo Desportivo de Lourenço Marques) que se despediu do Moçambola, a principal Liga do futebol de Moçambique, sem honra nem glória para na próxima temporada disputar o modesto escalão secundário e, que terá apenas expressão distrital.  Foi o eclipse de um ciclo com mais de 90 anos, cheio de historial e grandeza, que envolveu durante muitas décadas o futebol, hóquei em patins, basquetebol, atletismo e natação que o tornou numa coletividade popular, caraterizada pela mística alvinegra e que foi inequivocamente um berço de grandes atletas. O então Grupo Desportivo de Lourenço Marques, cujo emblema era simbolizado por uma águia e que hoje ainda se mantém, era o ninho de muitos naturais da então LM e simpatizantes do Sport Lisboa e Benfica, que por divergências internas desertaram e fundaram o SLM e Benfica na década 60. O GDLM será sempre uma referência da minha juventude naquela terra, porque fui praticante de basquetebol nas camadas jovens até ao escalão  dos juniores, pelo que recordo o tempo em que depois de terminadas as aulas na Escola Industrial, rumava rapidamente à parte baixa da Barreira da Maxaquene e, entrava pelo portão grande das instalações do clube para os treinos e jogos.  Seis pilares bem distintos onde se fixavam os mastros engalados em dias de festa ou competição, ilustravam a fachada daquele  magnânimo  complexo que tinha dois ringues polivalentes, espaço para a divulgação do mini basquetebol, sede social , uma pequena piscina de aprendizagem e sua ex-libris  piscina olímpica . Paredes meias situavam-se as instalações do Sporting(hoje Maxaquene) velho rival e era junto ao campo de futebol dos “leões” o Campo Silva Pereira, que se localizava o velhinho Campo Paulino dos Santos Gil onde os alvinegros disputavam os jogos de futebol. Como consequência de uma doentia rivalidade, os atletas quer de Sporting, quer do Desportivo vinham já equipados das suas instalações. No futebol quem já não se lembra dos guardiões Fernando Fernandes, do Arménio do tempo das joelheiras e cotoveleiras e do boné na cabeça, da classe do Hamide, da agilidade do Damune  e do Cremildo, das fintas estonteantes do brasileiro Santa Rita (Tubarão) e do estilo felino de Sérgio Albasini, na procura do golo. Foram muitas as tardes em que passearam a classe nos campos de futebol. No hóquei em patins, a modalidade onde o clube atingiu maior notoriedade com a conquista de três campeonatos nacionais em que participavam as equipas da Metrópole  e em 74 vice campeão europeu, prova que obrigou o clube a jogar sempre fora de Moçambique, mas onde Flores Cardoso, Amílcar, Fernando António, Carlos Pereira e o já veterano Fernando Adrião deram show nos principais ringues europeus, consagrando-se como galácticos. No basquetebol foram empolgantes os duelos com o rival Sporting, a equipa de maior cartel na modalidade , mas ninguém esquece o Manuel Lima, Paulo Carvalho, o Carlos Alemão, N.Narcy, José Arruda e o espetacular basquetebolista  norte americano Frank Martinuk que era um verdadeiro artista da bola ao cesto. No atletismo, era um prazer ver correr  Conceição Vilhena, a elegante e veloz Helena Relvas e o Stélio Craveirinha, o homem do salto em comprimento e especialista em triplo salto e capaz de ser um especialista em todos os módulos. Na natação marcaram uma época, As irmãs Gouveia(Dulce, Manuela e Lídia), Graça Maia, Clotilde B. de Melo, Susana Abreu , o Carlos Oliveira e o Júlio Ribeiro entre muitos. Na verdade foi esta grande coluna de notáveis, a que há que juntar os nomes de muitos outros, mas que provavelmente não caberiam no texto que ajudaram a escrever a história do clube mais popular da pérola do Índico. Para todos aqueles que um dia tiveram o prazer de representar as cores  do clube, apesar do tempo e da distância a natural tristeza, porque o GDLM de outrora foi um marco de grandes conquistas  e alegrias que jamais serão esquecidas , ainda hoje consagradas na sala de troféus do clube. Que os grandes êxitos de outrora conduzam a águia alvinegra a um regresso vitorioso.

Manuel Terra



sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Museu Zoológico



Continuando a deixar-me embalar pela marcha do tempo, persisto caminhar sobre as lembranças  que trago da vida, momentos que foram reais e inesquecíveis que os guardo como tesouros que se devem conservar. É nesse contexto que afloro o Museu Zoológico Álvaro de Castro(hoje Museu Nacional de História) que se localizava junto à Rotunda da Praça dos Descobrimentos(hoje Praça Travessa do Zambeze) e que podia ser observado a partir do Liceu Salazar(hoje Liceu Josina Machel). Tratava-se de um edifício de traça invejável, refletindo uma tonalidade branca expansiva que perfumava o tipo de construção neomanuelino inaugurado no início da década trinta. Despertava especial atenção  a todos quanto o visitavam e os turistas estrangeiros não se cansavam de captar imagens até  esgotarem o rolo fotográfico para mais tarde recordarem aquela bela joia de África. Destacava-se logo à entrada do Museu o busto do seu fundador, ladeado de um jardim encantador e no seu interior brotava da pedra a selva concebida por  taxidermistas exímios na arte de embalsamar , que davam expressão a uma rara coleção de animais selvagens retirados do seu habitat natural, após serem abatidos e havia ainda uma ala onde eram visíveis  répteis e espécies marinhas e conchas de rara beleza. Ainda me recordo da minha primeira visita, que não foi a única e, foi pelas mãos dos meus pais que subi as escadarias trabalhadas em madeira da melhor qualidade, que nos guindavam até às largas galerias de onde se podia contemplar cenários de animais bravios, simulando cenas naturais. A visita tenho que admitir, atendendo à flor dos meus oito anos foi de um susto de arrepiar que só esmoreceu já de saída. Mais tarde já como estudante do liceu vizinho, tive oportunidade de em visitas de estudo guiadas e com rasgos de maior atenção, perceber melhor o que a selva engendrou. Sucederam-se depois mais algumas idas aquele espaço considerado histórico, quiçá o único no mundo que expõe fetos de elefantes desde um mês até aos vinte e dois meses. São estas imagens inapagáveis, ainda que o tempo marque uma distância, que nos ajudam a viver de novo algo que aconteceu e a pronunciar com indisfarçável  felicidade, que eu estive lá.

Manuel Terra

domingo, 19 de agosto de 2012

O velho aeroporto de Mavalane




Continuando a rever imagens memorizadas, presas para sempre às memórias do tempo e que me ajudam a recordar a minha infância e a de muitos jovens da geração a que hoje pertenço acabo sempre por entender que as citações e fotografias daquela boa época, servem para maximizar a saudade expressa num sentimento que nos faz sorrir e que também dói, logo que a mente é chamada a intervir. Evocar o passado representa um momento que nos detém por breves instantes numa viagem, que não tem ponto de partida ou de chegada e que acontece sem sair do mesmo local. As minhas referências lembram-me o antigo aeroporto de Mavalane, que sofreu algumas alterações até meados da década 60, substituído depois pelas novas instalações consagradas ao navegador Gago Coutinho e agora totalmente renovado e ampliado com o nome de Aeroporto Internacional de Maputo. Torno-me abstrato e aguardo o feedback  que me ligou de  forma muito especial aos muitos domingos, que  após missa o meu saudoso pai ir apanhar o machimbombo da linha 13 levando-me consigo e por vezes também o meu irmão até ao velho aeroporto, onde terminava a Av. de Angola defronte  de um pequeno espaço verde, onde era possível descortinar alguma sombra e que servia a praça de táxis. Lá chegados o meu progenitor  levávamo-nos carinhosamente até ao salão de chá do restaurante existente  no edifício, para as habituais torradas bem amanteigadas acompanhadas por café com leite servido em bule. Concluído o pequeno almoço muito especial era altura de nos encaminhar-mos até à longa varanda que servia de ponto de observação à pista, já cheio de entusiastas que aguardavam a aterragem quase sempre agendada para as 11 horas, do pássaro metálico oriundo de Lisboa . Pouco depois já se via em trajetória descente  o Super Constellation dos Transportes Aéreos Portugueses preparado para abraçar aquela longa terra africana, saudada pelo intenso ruido das suas potentes hélices. Para trás ficava uma longa viagem de quase 16 horas, atenuadas por algumas escalas. Ao hall da aerogare, chegava pela primeira vez a África gente aventureira à procura de novo lema para a sua vida, homens de negócios, mas também viajavam residentes de LM que vinham de férias da Metrópole que se desdobravam entre beijos, lágrimas, abraços e apertos de mão. No final a tradicional entrada triunfante e feliz da tripulação, com um sorriso nos lábios pelo dever cumprido. Todo aquele labirinto da aerogare me contagiou, tantas foram certamente as emoções do cruzamento de destinos entre esperanças e desilusões  que presencie, razão pela qual  já na adolescência fazia questão de ir tomar café inúmeras vezes ao novo aeroporto, para assistir ao ritual de partidas e chegadas. Já lá vão quase cinco décadas e ainda que o tempo seja condicionado pelo o sentido dos ponteiros do relógio, nada  pode travar o sentimento da saudade, ainda que o caminho seja sempre o do futuro.

Manuel Terra

domingo, 15 de julho de 2012

A FACIM




No recanto da minha memória, guardo com muita saudade a imagem do imenso espaço junto à Marginal situado entre o Zambi e o Clube Naval, onde se ergueu a FACIM conhecida como a Feira Agro-Pecuária, Comercial e Industrial de Moçambique e recordo que foi em 1967 que visitei pela primeira vez o certame que trazia até à capital moçambicana, grande número de produtores, vendedores, investidores, importadores, exportadores e compradores oriundos dos quatro cantos do mundo. Lembro-me que a rapaziada do meu bairro, o da Munhuana alinhava em grupo numeroso até às instalação da Feira referenciada por centenas de pavilhões embandeirados, adivinhando-se desde logo as suas origens e era muito sinceramente uma porta de entrada para o conhecimento do Universo. No seu interior era visível gente de fora à procura de projetos ou concretização de negócios, que recriava a grandeza do planeta e suas culturas .Perante o olhar curioso e perspicaz dos mais jovens, tudo o que se deparava era novidade e vai daí que todo o tempo era pouco para se colecionarem panfletos turísticos , lembranças e slides mas nem só de exposições vivia a feira, porque todas as noites eram preenchidas por diversões que iam desde a atuação de ranchos folclóricos , representativos de várias casas regionais em L.M, música moçambicana e cinema ao ar livre. Não faltavam no Parque muitos restaurantes e gelatarias, que faziam as delícias de cada um. Também ficaram na retina, os concursos de pintura para a juventude demonstrar as suas aptidões que era patrocinado pelas Tintas Robbialac em stand adequado e ,as provas de redação que contavam com o apoio da multinacional Parker, aliás muito participadas. Ano após ano cada realização era uma festa, mas hoje toda aquela estrutura foi reduzida a escombros jazendo toneladas de entulho, ferro e madeira testemunho da grande superfície que foi atração de milhares de citadinos, que ali acorriam no mês de Agosto para acolher a tradicional Feira da Facim. Ali vai nascer um projeto urbanístico de 83 mil metros quadrados, que enquadrará  hotéis de luxo e modernos escritórios e que poderá dispor de uma marina. A nova versão da Feira Internacional está localizada em Ricatla já próximo de Marracuene. O progresso dita a sua lei, mas nunca aquela área beijada pela maresia  da Baía do Espirito Santo e cercada por vasto eucaliptal , perdeu a importância nem nunca a irá perder, porque no meu memorial não há lugar a demolições que destruam os momentos inolvidáveis  que a minha geração viveu.

Manuel Terra

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Os machimbombos



Como é gratificante continuar a navegar na rota das recordações, reviver momentos marcantes que vivemos com muita alegria, sinónimo de convívios, passeios, estudo e trabalho. Tudo isto me faz lembrar de forma quase romântica as viagens do meu tempo que foram inúmeras  deslocações nos inesquecíveis  machimbombos  nossos inseparáveis companheiros , substituindo os velhos e esquecidos elétricos( que pena não ter sido criado o museu do elétrico) que tinham uma forma muito peculiar , uma versão very brysti  caraterizada pelos tons vermelhos e de tejadilhos brancos. O hangar municipal situava-se na Av. General Machado (hoje Av. Guerra Popular) mesmo defronte da Escola Técnica Joaquim de Araújo (hoje Escola Estrela Vermelha) e ainda pareço ouvir o som estridente da potente sirene instalada na torre que indiciava o toque a assinalar o meio dia e a primeira hora da tarde. Por volta das cinco da manhã, ainda o sol se espreguiçava e já os transportes públicos cruzavam as artérias dando ritmo à cidade, transportando no seu bojo gente apinhada até ao estribo que se apeava na longa zona portuária da capital. Depois eram os estudantes que de malas nas mãos esperavam pelos machimbombos nas paragens e quando era impossível conseguirem-se sentar, viajavam de pé nos corredores dificultando a vida ao cobrador que a muito custo picotava o bilhete escolar, que custava a importância de 1 escudo. As viagens eram uma simbiose de sonhos e aventuras, sempre bem animadas com os mais jovens a alimentarem namoricos com as moças do banco da frente , onde se sussurravam fins de semana com idas ao cinema, à praia, bailes nas coletividades e ainda havia tempo para se alinharem em abreviaturas as cábulas que davam sempre algum jeito, não fosse a memória pregar alguma partida nos exercícios escolares mais exímios . Os percursos pareciam sempre curtos porque em todas zonas com apeadouro os transportes de viação paravam para saírem e entrarem passageiros com rotinas definidas, gente que por vezes nunca mais se via. Os machimbombos  eram uma autêntica enciclopédia itinerante, onde os catraios da minha geração aprendiam com o teor da conversa de adultos pronunciadoras das vicissitudes da vida, também a serem homens. A campainha toca a assinalar o fim de linha e por agora vou descer no terminal da saudade e paro por momentos para acenar aos  velhos colegas de outros tempos e cumprimentar amigos que por mim passam, mas com angustiante pena de não ter mais o vermelhão e branco rolante para prosseguir o resto da caminhada.

Manuel Terra

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Pastelaria Princesa





Continuo a pensar piamente que as recordações, são eternamente fonte de energia que ilumina o subconsciente e que permitem ver à distância lugares encantáveis, que  teimosamente resistem ao envelhecimento. Por momentos dou comigo a pensar na mais emblemática pastelaria, snack e salão de chá de Lourenço Marques; a Princesa por todos conhecida e que ficava no alargado espaço comercial do prédio sito no cruzamento da Av. 24 de Julho e a Princesa Patrícia(hoje Salvador Allende) e daí o nome numa clara homenagem à indigitada noiva de D. Manuel ll, que ainda no tempo da monarquia visitara LM. Ao lado ficava o palácio do presidente da edilidade  e a um passo vislumbrava-se a imponente mansão dos velhos colonos, que contava com uma associação ligada à  natação. Às cinco da tarde  ainda o sol fazia transpirar os transeuntes  e, já à sua esplanada decorada com correntes de ferro  alinhadas em ligeira flecha a pilares de granito trabalhado, chegavam círculos de amigos de longa data que ali marcavam o ponto de encontro, para a habitual cavaqueira selada sempre com um aperto de mão pelos mais velhos e um olhar cúmplice ou um beijo intimo trocado pelos adolescentes. Reinava a boa disposição entre todos os rostos, que tinham pelos os empregados de mesa a estima que lhes era merecida. Por lá trabalhava o pai do famoso e único toureiro negro que se conhece, o moçambicano Ricardo Chibanga que se orgulhava dos feitos do seu filho nas principais arenas da Península Ibérica. Os clientes da bica eram logo presenteados com  o copo de água para se afogar a cafeína, mas haviam os que não prescindiam dos seus apaladados pregos, acompanhados pelas boas marcas de cerveja e o grupo de senhoras conhecidas como  madames do chá das cinco, que faziam questão de tomar a bebida exótica, naquele tempo servida em bule, acompanhado de torrada simples , croissant misto ou barrado pelo melhor jam (compota sul-africana). Os mais jovens quase sempre estudantes ,que circulavam  pela artéria mais central da capital moçambicana, a 24 de Julho a caminho dos estabelecimentos escolares faziam um ligeiro compasso de espera  na secção de confeitaria, observando a vitrina dos bolos e depois era vê-los puxar pela moeda de dois e quinhentos, resgatada em casa em prol de uma falsa compra de um caderno diário ou de uma esferográfica BIC(na moda) para saciar a gulosice definida entre uma nata bem recheada ou a volumosa bola de Berlim e até um avantajado palmier adoçado. A Princesa tinha também o seu salão onde eram servidos bitoques bem condimentados e alguns combinados.  Aos domingos já era da praxe, a fila de automóveis que alinhavam junto à pastelaria para levarem  a tradicional caixinha  de bolos sortidos para o lanche da tarde. Também eu muitas vezes depois do trabalho, me deixava arrastar pelo sentido do desejo até aquele espaço urbano e acolhedor, onde todos eram benvindos  para tomar o café aromático ou deleitados lanches. Hoje nas minhas memórias de vida ainda pareço ouvir o borburinho incessante do cruzamento das palavras, do arrastar das cadeiras e de risos cúmplices dos seus frequentadores, que me lembram o fulgor da Princesa que marcou um tempo ao qual a evocação dará mais ênfase à sua existência.

Manuel Terra

segunda-feira, 12 de março de 2012

Jardim Zoológico



Avivar as memórias, são sempre uma forma de não deixar esquecer todo um tempo que já deixou de existir, recuperar reencontros com o passado marcado por vivência inesquecível, recheada de bons momentos e alegres convívios cheios de animação, mas que com muita saudade os anos não trazem mais. Na cidade das rubras acácias aos domingos havia diversificados entretimentos para todas as idades e na minha retina ainda estão as tardes marcantes passadas no Jardim Zoológico, que ficava situado em pleno Bairro do Jardim já na periferia da cidade. O seu interior contemplava uma imensa superfície bem repovoada de vegetação , predominavam árvores de grande porte que transformavam aquele espaço numa espécie de selva urbana , que dava expressão à grande biodiversidade e qualidade da fauna em Moçambique, onde era possível observar as áreas demarcadas rotuladas de aldeias, habitats concebidos para albergar elefantes, rinocerontes, hipopótamos, leões, leopardos, zebras, impalas, girafas, crocodilos, gorilas, pequenos saguis e outras espécies. Era a oportunidade de ver de perto animais selvagens já indiferentes à presença de público e a aldeia dos macacos fazia as delícias da garotada, com as habituais traquinices dos primatas que davam show nos baloiços mas que sabiam cobrar depois umas bananas habilmente descascadas ou uma dose de amendoins. Porém não era só a atração animal a razão da vasta afluência de visitantes ao Parque Zoo, que comportava no seu interior um campo de equitação onde se realizavam algumas provas hípicas ou o desfile das melhores raças de cavalos, mas muito por arte de um grande artista, que atuava num ringue e que fazia rir a numerosa plateia. Sim todos os garotos da minha geração, devem-se recordar do palhaço Pepito que entre a comédia e o riso, se escondia o caráter de um grande homem. Eram fabulosas as suas cenas sempre retratadas de humor contagiante, que se tornava mais intenso quando chamava para o palco os petizes mais atrevidos; a cada palavra ou gesto a miudagem e porque não os nossos pais ou avós, rejubilavam. Também atuavam no Zoo a dupla de palhaços Emiliano & Ivone. Findos os espetáculos havia sempre lugar à caminhada dos passeantes pelo quiosque da Socigel ,que produzia bons sorvetes para saciar a sede e a gulosice. De facto esses momentos sensitivos que foram tão gratos, dizem-nos quanto fomos felizes por aquelas paragens.


Manuel Terra

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Casa Coimbra






Voltando aqueles belos tempos vividos na Pérola do Índico, as recordações são sempre como buracos sem fundo onde escorrem sonhos, aventuras, fascínios, cheiros e sons de África . Mas há lembranças que jamais poderão ser revistas, porque a vontade dos homens submissa a interesses não compatíveis com a História, com detalhes de uma arquitetura  de várias influências e até de tempos, vai eliminando espaços míticos . É sempre com muita mágoa, quando tudo se esvaia numa espécie de dormência eterna. Há poucos dias fui tocado pela notícia da demolição em plena baixa da capital moçambicana, do edifício Casa Coimbra edificado em 1940 traçado e construído a bom gosto, muito bem preservado  mandado construir por dois súbditos paquistaneses, que a exemplo de muitos outros compatriotas deixaram a chamada Índia inglesa e aportaram a LM e a outros pontos do país, nos primórdios do século XX onde se distinguiram como grandes comerciantes. A Casa Coimbra era um símbolo de referência do comércio local, com secções de alfaiataria, bijutarias, artigos orientais  como também as últimas modas inglesas, perfumes, malas, carteiras e muito mais. Os andares superiores estavam reservados para escritórios de advogados, médicos onde o meu dentista exercia a sua atividade. Situado em pleno coração da baixa citadina, com vistas para o velhinho Edifício Pott( ainda hoje em ruínas, depois do violento incêndio de 1990) contemplava ainda o transformado Scala e o Continental(fechado) sem a resplandecência das românticas esplanadas. No seu lugar será implantado um moderno complexo em forma de torre com 30 andares, por iniciativa do Banco Central de Moçambique. Ainda recordo com saudade os tempos em que os laurentinos nos seus passeios habituais pela Av. da República (hoje 25 de Setembro) paravam não raras as vezes junto ao referido estabelecimento, para fixarem o olhar para o placard eletrónico suportado por torres metálicas, onde se podiam ler os títulos das principais noticias e os casos de última hora. Eram instantes de ligeira acalmia, indiferentes ao trânsito e o bulício da zona. Agora só já restam montões de entulho, numa  amalgama de ferros e cimento, que serão lançados para qualquer lixeira, até que um dia fiquem soterradas todas as essências de mais de sete décadas de existência

Manuel Terra