quarta-feira, 24 de junho de 2015

A Seleção que prestigiou o Hóquei Moçambicano





Por alguma razão as recordações são sempre cativas da memória, que se libertam com fascínio  e navegam na crista de quem conversa ou evoca ciclos pejados de acontecimentos, que jamais se poderão encerrar como cortina corrida sobre qualquer janela. Da bruma do tempo, saltita-me a propósito do estágio em Portugal da seleção de hóquei em patins de Moçambique antes de partir para o Mundial de França, a célebre participação de uma seleção de hoquistas de Lourenço Marques ,para representar Portugal no Torneio de Montreux  na Suíça em 1958. A década de 50 ficou marcada pela afirmação do hóquei em patins luso no panorama mundial, mas em Moçambique essencialmente as equipas da capital começavam a dar nas vistas, face às grandes exibições relevantes conseguidas na digressão à Metrópole, onde o Sport Lisboa e Benfica e Seleção de Lisboa, vergaram perante a classe e talento da seleção de LM. A paixão pela modalidade entranhou-se nos laurentinos, face aos sucessos conseguidos e o momento de êxtase levou a que o Clube Ferroviário local integrasse  nas  festas da cidade, a Seleção da Catalunha espinha dorsal  do conjunto espanhol, convidada a participar na  capital moçambicana num torneio alargado . Os” nuestros hermanos”, talvez convencidos de que iriam ter umas merecidas férias em África , foram surpreendidos pela qualidade do hóquei praticado na pérola do Índico e, no jogo derradeiro  frente à Seleção de LM que teve lugar no Pavilhão do Malhangalene(hoje Pavilhão Estrela Vermelha) à época o único recinto coberto e com o piso revestido a taco, a lotação esgotou e o público vibrou com a retumbante vitória por (5-1) frente aos experimentados hoquistas espanhóis. Se porventura algumas dúvidas existissem sobre a transcendência da modalidade em Moçambique em relação ao nível praticado na Metrópole , a verdade é que as exibições e os resultados deixaram uma mensagem objetiva de que na então Lourenço Marques, morava o melhor hóquei patins praticado no Mundo. Como não poderia deixar de ser, o sucesso ganhou eco tal a forma como a rádio e a comunicação social  o realçaram, enchendo páginas dos jornais a evocarem o interesse nacional de serem chamados à seleção nacional, os atletas ultramarinos. Com os canhões a trovarem, a Federação Portuguesa de Patinagem como que num teste de aferição, enviou então para o Torneio de Montreux a terceira no ranking da modalidade, a seleção dos hoquistas laurentinos até terras helvéticas. Integraram a comitiva, Souto, Abílio Moreira, Bouçós, Carrelo (irmão de Acúrsio guarda redes de futebol, do FC do Porto e também hoquista), Velasco, Fernando Adrião, Romão Duarte, Vítor Rodrigues  e os guarda redes Passos Viana e Moreira. Na bagagem carregaram a palavra esperança, o mesmo ideal que alastrou por toda a população de Moçambique .  Com a FPP a esperar para ver, a seleção a representar Portugal foi-se desvencilhando dos adversários diretos até à desejada final com a congénere espanhola, ávida de desforra. O desejado ajuste de contas foi fatídico para as cores do cinco de Espanha, que a vencerem com dois golos de avanço devem ter esfregado as mãos de contentes, só que jogadores de grande gabarito como Velasco , Adrião e companhia levaram  as suas faculdades ao extremo , deram show e arrebataram o troféu vencendo por (4-2). A imprensa desportiva da modalidade, rendeu-se à classe e poderio dos laurentinos. Em Lourenço Marques, a seleção foi recebida em ambiente de apoteose no velhinho aeroporto de Mavalane e, transportada para o edifício da Câmara Municipal para a justa consagração. Foram uns autênticos heróis, que jamais serão esquecidos na história do hóquei português. Doravante passaram a ser chamados por mérito próprio , às convocatórias dos Campeonatos da Europa e do Mundo. Recordo com muita saudade os célebres relatos das produções Golo, com os radialistas a gritarem os golos de Velasco e Fernando Adrião. Os rádios transístores estavam na moda e era só ver a malta com o retângulo sonoro colado ao ouvido, a rejubilarem com os seus ídolos. Em LM criou-se uma espécie de hóqueimania , com os jovens da minha geração a jogarem hóquei nos largos passeios, recorrendo a sticks improvisados e trabalhados por nós e, uns pequenos barrotes de madeira a servirem de balizas. Poucos eram os que tinham patins, mas isso não era muito importante. Os transeuntes eram tolerantes e até paravam para nos verem jogar. Lembro-me do velhinho ringue do SNECI(Sindicato dos Empregados do Comércio e Industria), mesmo defronte do moderno prédio dos SMAE(Serviços Municipalizados de Água e Eletricidade), um verdadeiro ninho de grandes hoquistas, assim como o ringue do Desportivo, Ferroviário, Irmãos Maristas e da grande cratera do Instituto Mouzinho de Albuquerque na vila da Namaacha. Tenho na retina o alargado Torneio Internacional de LM em 1964, no recém inaugurado Pavilhão de Desportos do Sporting com capacidade para 6000 assistentes , a abarrotar pelas costuras. Ia ver os jogos na companhia do meu saudoso pai. Foi essa grande geração de hoquistas, a força propulsora  e preponderante de novas conquistas. Sucederam-se campeonatos nacionais, Taça de Portugal e a grande equipa do Grupo Desportivo de Lourenço Marques, a perder para o Barcelona em 1974 a final da Taça dos Campeões Europeus , onde pontificavam Fernando Adrião (em fim de carreira) Rousseau, Abílio Moreira (também quase a  pendurar os patins), José Pedro, Amílcar, Borges, Fernando António, Carlos Pereira, dignos seguidores dos lendários Velasco e Adrião. Foi o último grande feito antes da Independência de Moçambique. Depois foi o êxodo de muitos praticantes, a viajarem para Portugal e a atuarem em várias coletividades locais. Curiosamente o povo moçambicano não perdeu a paixão pela modalidade, a exemplo de Angola e a Seleção da África do Sul, constituída praticamente por descendentes de portugueses. Moçambique tem feito grandes progressos na modalidade e o entusiasmo vai crescendo gradualmente face aos excelentes resultados nos Mundiais de 2011 e 2013, tornando-a na melhor formação do continente africano. Que sejam agora no Mundial em França, tão felizes como aquela seleção que deslumbrou o mundo , já lá vai mais de meio século.

Manuel Terra