Se algo houve que se tornou familiar e, que fez parte da identidade de várias gerações da antiga Lourenço Marques, foi certamente a rádio. Os registos reportam à década 30, quando foram construídos os primeiros estúdios do então designado Grémio dos Radiófilos. A partir das primeiras emissões, os programas da radiofusão foram adquirindo com o passar dos anos maior projeção, pelo que houve necessidade de novas instalações mais bem apetrechadas tecnologicamente, o que veio a suceder com a construção do magnificente Edifício do Rádio Clube de Moçambique, em 1951 sobranceiro ao Jardim Botânico Vasco da Gama. A montagem de vários postos emissores de longo alcance ao longo do país, possibilitou ao RCM uma cobertura além fronteiras, com tecnologia de ponta capaz de se poder ouvir em quase toda a Europa e países asiáticos. O impedimento das transmissões televisivas da RTP ou a implantação de canais privados locais, motivados por factos meramente políticos, que não pretendo neste momento escalpelizar, tornou a rádio mais mediática junto dos ouvintes moçambicanos. Com alguma nostalgia, recordo o velhinho rádio analógico de válvulas Telefunken, instalado na sala de visitas da casa dos meus pais que nos ligava ao mundo e, que nos possibilitava sintonizar várias estações radiofónicas com especial ênfase a BBC. A riqueza dos seus programas abrangia várias rubricas e cronistas, explicitadas também em inglês, como também havia especial atenção com alguns temas dirigidos às populações autóctones do interior, difundidos nos respetivos dialetos. Cresci a ouvir a rádio e não esqueço os momentos altos do desporto português, em que os relatos do futebol e hóquei em patins nos deixavam de ouvido colado à caixa mágica da telefonia. Lembro-me bem de domingo à tarde, aguardar-nos com natural expetativa a ligação à Emissora Nacional (via Marconi) para ouvir os relatos dos jogos do campeonato nacional de futebol (naquele tempo as partida começavam todas às 15 horas). Enquanto não se estabelecia a ligação, iam-se ouvindo interpretações de marchas militares. Como imperava lá em a casa o silêncio absoluto, quando ia para o ar o Teatro em Sua Casa da autoria da Sara Pinto Coelho e as tiradas humorísticas do popular ator José Bandeira( participou também como ator principal numa curta metragem local, o Zé do Burro) que contava com a colaboração de Milu dos Anjos, Lima Pereira e Álvaro de Lima. Grandes interpretes que deliciaram os ouvintes, sempre ávidos em os ouvirem. Tive o privilégio de conhecer as instalações do RCM, a convite do grande senhor da radio, João de Sousa depois de ter participado numa emissão de rua a partir do exterior da Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque. Na verdade era magnificente o seu interior de quatro pisos e a sua altiva torre central. A Emissora possuía uma valiosa biblioteca de discos, diversos estúdios, auditórios e salões de orquestras locais. Por lá atuavam o Coro Feminino, Orquestras de Variedades, de Salão e a Típica. O Rádio Clube de Moçambique foi a rampa de lançamento de grandes cançonetistas como a Natércia Barreto, Zito, Marinela, Aníbal Coelho, Maria Adalgisa (que também fazia locução) a voz inconfundível do grande tenor Carlos Guilherme, entre muitos outros artistas. Por trás da rádio há rostos e sobretudo o virtuosismo da comunicação, pelo que hoje ainda pareço estar a ouvir o timbre de voz do António Luís Rafael em várias intervenções, o falar pedagógico de Samuel Dabula, a locução suave e encantadora de Manuela Arraiano, a perspicácia e vivacidade com que João de Sousa analisava todos os acontecimentos que mexiam com a rádio, que o catalogou como uma lenda viva da arte de bem comunicar e exemplo de grande profissionalismo. Outros nomes houve certamente que ajudaram a construir a história do Rádio Clube de Moçambique, que ganhou maior expressão em todo o território ( há aqui que acrescentar também o papel importante também desempenhado pela Emissora do Aeroclube e Rádio Pax da Beira) aquando da expansão da radiofusão, através dos rádios transístores. Quem diria que aqueles pequenos recetores portáteis adquiridos por preços módicos, com a vantagem de serem equipados com pequenas pilhas, faria disparar os níveis de audiência de toda a programação difundida diariamente pelo RCM. A prova de isso era que aquela maravilha da tecnologia, passou a ser companhia no quotidiano de muitos moçambicanos, independentemente de ser em casa, na praia, nos cafés, nos locais de trabalho, em viagens de recreio, nos hospitais, na praia, nos recintos desportivos, prolongando-se até aos pontos mais recônditos do território. Era o fascínio da rádio, que contagiava tudo e todos. Quantos de nós, ao som das músicas em voga, não cantarolou os grandes êxitos, na rúbrica dos discos pedidos? Quantos de nós, nos momentos de insónia, não tinham na mesa de cabeceira, o pequeno rádio em que a voz do lado de lá, nos fazia companhia e ajudava adormecer. Lá longe essa inestimável companhia era de tal forma importante, que quando desligávamos os botões dos velhos rádios elétricos ou os cursores dos transístores, significava só a despedida a um amigo, com a promessa do que no dia seguinte, teríamos novamente o RCM na nossa companhia.
Manuel Terra
Gostava de recordar os amigos que acompanhavam anualmente a venda da Rifa do Rádio Clube. O artista músico como se chamava e o locutor que também o acompanhava. Saudades, saudades, amigos.
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