quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Parque Silva Pereira




Neste rol de evocações que se vão sucedendo, a ufania da minha juventude tocada pelos bons momentos e instantes de felicidade vividos  em L.M, relembra-me as passagens quase diárias pelo Parque Silva Pereira (hoje Jardim dos professores) zona verde, muito tropical procurado em tardes solarengas por muitos alunos que frequentavam o Liceu Salazar (hoje Escola Secundária Josina Machel) no início da Av. Brito Camacho (hoje Patrice Lumumba) e que se situava mesmo defronte do parque. Contrariamente ao apelido atual, naquele tempo era o verdadeiro jardim dos estudantes que apenas tinham que atravessar a passadeira, para atingirem a encantadora zona bem orlada de árvores e canteiros . Ao fundo o seu belo miradouro coberto de trepadeiras, de onde era possível deslumbrar o olhar contemplando no horizonte, a majestosa Baía Espírito Santo , os navios que cruzavam as suas águas e a íngreme barreira da Maxaquene. A vegetação verdejante do parque, marcada pela beleza multicolor das suas plantas, contrastava familiarmente com os bancos já gastos pela torreira do sol ou a impiedade da chuva e, todos lhes davam uma importância muito especial tornando-o num ponto de convergência  de muitos miúdos e adolescentes, que de pasta na mão aguardavam com tranquilidade, mais um dia de aulas. Era seguramente, um local de lazer e de estudo e que servia de igual modo para os mais novos descarregarem a adrenalina e os mais espigadotes  trocarem olhares amorosos ,com as moças que se posicionavam nos varandins da ala feminina do liceu. Ali tinham lugar habituais pândegas académicas, que escondiam muitas emoções e histórias proibidas. Fazia parte da rotina dos sábados no parque, as atividades da Mocidade Portuguesa organização vincada por uma estrutura pré-militar, integrada como disciplina obrigatória  regida de inexorável pontualidade, decretada pelo toque da ruidosa campainha que se fazia ouvir no átrio do estabelecimento de ensino. Passava-mos meia manhã encafuados em fardamentos de camisa verde escura e calção de caqui,  bivaque  na cabeça  marchando e em exercícios físicos, seguidos com natural curiosidade por  pedestres que por ali circulavam. O parque tornara-se também  itinerário quase obrigatório de  turistas, que  viajando por vários continentes, se hospedavam no vizinho Hotel Cardoso e que em momentos de visível  descontração se deitavam sobre a relva ou tiravam fotografias de grupo. São estes  factos uma constante da vida, recordações de um tempo áureo que deixa marcas e que me obriga a constantes divagações por vias do passado.

Manuel Terra

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Épocas de ouro do futebol moçambicano





Muito interessante a história de futebolistas moçambicanos, retratada agora em obra escrita pela mão da  autora  Paola Rolletta antiga correspondente da RTP, salvo seja em Roma. Mais de duzentas páginas traçam o percurso do futebol no território das acácias vermelhas  e da ascensão dos seus intérpretes ,concretamente a partir das décadas de 50,60 e meados de 70 já que a partir de Junho de 1975 data da independência, o governo travou  as saídas de atletas lá nascidos. Soube que no dia 15 de Setembro o livro finta finta que contou com vários apoios, foi lançado em Maputo depois de intenso trabalho de pesquisa, que entendo não ter sido fácil e cuja venda deverá constituir sucesso. Muito honestamente, considero uma honra que alguém se tenha lembrado de enaltecer e não deixado cair no esquecimento, o mérito e currículo de quase meia centena de atletas e técnicos que em Moçambique ou Portugal revelaram as suas potencialidades. Foram jovens que independentemente da  cor de pele, sonharam um dia ser famosos e jogarem nos grandes palcos do pontapé na bola. José Craveirinha, saudoso poeta moçambicano idealizava que através de uma simples bola e da forma de jogar ou organizar o próprio jogo, se conhecia a história de um povo. O futebol era um espetáculo de grandes paixões e jamais esquecerei que um dia quatro futebolistas moçambicanos, não brancos (Coluna, Vicente, Eusébio e Hilário) todos eles titulares ,deram expressão à célebre seleção dos magriços na Copa do Mundo em 66 disputada em Inglaterra, exibindo classe e crença perante o espanto do velho continente, habitualmente acostumado ver militar nas suas escolhas futebolistas de raça branca. Portugal subiu ao pódio conquistando um brilhante 3º lugar( praticamente desviado da final) e o rei Eusébio tornara-se o melhor artilheiro da prova. Portugal exultou e por simpatia Moçambique ficou a conhecer-se melhor. Era o reflexo de um tempo, em que naquele solo tropical milhares de miúdos descalços ou não, davam os primeiros pontapés na bola em inúmeros baldios que proliferavam em bairros míticos e ,que mais tarde procuravam clubes federados  tentando dar nas vistas. Assim  aconteceu com Albasini, Juca, Wilson, Costa Pereira, Matateu( a quem os ingleses chamaram a oitava maravilha do mundo), Perdigão, Otávio de Sá, Acúrsio,  Carlitos, Sitói, Rui Rodrigues, Brassard(pai),Nene, Mário  João, Calado, Pérides,  Matine, Ricardo, Armando Manhiça, Manaca, Sidónio, Messias, Jambane ,Artur Semedo ,Shéu, Néné, Babalito, Alfredo e os irmãos Abel, Zeca e Roma, nomes que neste momento me ocorrem. Após o 25 de Abril chegaram a Portugal onde alinharam em diversos clubes, Arménio, Baltasar(passou ao lado de uma grande carreira),Márito, Tayob, Sérgio Albasini, José Júlio, Djão, Fumito, Rogério, Batista, Fernando Duarte, Torres e os irmãos José Luís e Jorge Silva, que representaram o S.L e Benfica. Ao que dizem Nuro Americano(excelente guarda-redes) e Joaquim João (irmão de Mário João) não obteram  visto de saída, eles que já teriam compromisso com o S.L e Benfica. Devidamente autorizados chegaram a Portugal na década 80, Chiquinho Conde, Calton Banza(grande estrela, que chegou já com 33 anos)Aly Hassan, Fumo, Dário e recentemente Mexia. Pena fora que a obra lançada não fosse mais abrangente e focasse os grandes êxitos  do hóquei em patins e do basquetebol, gravados a letras de ouro e propalados além fronteiras. Moçambique tornou-se um berço cíclico de desportistas predestinados que à luz do sol ou ao brilhar da noite, conquistaram o estatuto de estrelas. Resta-nos esperar que as edições do finta finta cheguem também às bancas de Portugal, onde as esperam grande faixa de leitores. Eu prometo a mim próprio que terá lugar de destaque na minha estante e que tentarei sempre fintar o presente para não perder jamais o encontro com o passado.

Manuel Terra

sábado, 27 de agosto de 2011

Jardim D. Berta




Neste devoto costume apaixonante de evocar um sem número de recordações, talvez inspirado pelo o esplendor do verão; sim é esse brilho da natureza que ilumina os percursos pedestres, quantas vezes sob um sol abrasador que em tempos idos, eu e um grupo alargado nos metíamos ao caminho num trajeto  projetado entre o Bairro da Munhuana  e a Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque(hoje Escola 1º de Maio), com especial ênfase no período da tarde. Com mais de três quilómetros para andar, tínhamos que acelerar o passo não só para não chegarmos atrasados às aulas, como também para uma pequena pausa no Jardim D. Berta(hoje Jardim Nangade) já muito próximo do estabelecimento escolar e que ficava localizado na Av. Augusto Castilho(hoje Vladimir Lénin) e que confrontava com a Av. Latino Coelho( hoje Maguiguana), frente ao Super-mercado o Barateiro. Era um espaço verde ilustrado por pequenos arruamentos de alcatrão, onde estavam fixos bancos alinhados a pequenas distâncias. No centro eu ainda recordo a sua pequena mas bela taça de onde jorrava do alto da sua pia ,um jato de água que na sua curva descendente banhava o anel de recolha numa sinfonia de agradável toada , que convidava ao relaxe os mais afanados. Ao fundo figurava o parque infantil , onde os petizes davam largas à imaginação sob o olhar atento de muitas avós bonançosas. Em lugar de destaque perfilava-se sobre um pequeno mural , o busto trabalhado em mármore branco da ilustre senhora que dava o nome àquela zona verde, arborizada com espécies  nativas e com canteiros exalando o perfume e a beleza das suas plantas. Contudo a corrente do pensamento centraliza-se por momentos no chafariz em ferro fundido, que  nos obrigava religiosamente a uma paragem obrigatória para saciarmos a sede provocada pelo ardente e sufocante calor que se fazia sentir. Enfim, era quase um oásis no meio de um deserto. Refeitos do cansaço da jornada fazíamos quase em passo corrida, a pequena distância até à escola. Já a noite caíra e o sol deixava de alumiar, quando retornávamos a caminhada até ao nosso bairro, sem que antes  nova paragem viesse a acontecer numa espécie de despedida até ao dia seguinte, agora com o jardim quase vazio coberto por estrelas cintilantes, que contemplavam alguns casais de namorados que prefiguravam promessas de amor desmedido. São estas imagens tão peculiares que me tocam, prerrogativas da nostalgia que expressa da forma mais pura, quanto representaram para a minha geração as passagens gratas por aquele familiar jardim.


Manuel Terra

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A aldeia dos pescadores



Continuando a arrumar as minhas recordações na gaveta das memórias,  levado pela constante persistência de citar locais, personagens e fatos, lembrei-me  talvez tocado pelo sol rasgado e abrasador  que se faz sentir, das belas imagens que caraterizavam a típica aldeia dos pescadores muito próxima da zona terminal da Costa do Sol. Para se chegar até lá, caminhava-se por uma estrada estreita servida por uma pequena ponte de madeira, só transitável para veículos ligeiros e já desgastada pela erosão das águas, que permitia o acesso a uma zona extensa de mangal coberta na preia-mar e visível na baixa. Por lá habitava numa considerável área de vegetação circundada por casas carateristicas, um núcleo de homens nativos que se dedicavam à pesca artesanal e apanha de amêijoas . Sem dúvida, uma comunidade honrada e trabalhadora quase alheia ao descanso, que em pequenos barcos por si construídos faziam-se ao mar  para a captura do pescado. Em terra a azáfama das mamanas(mulheres africanas) ,que de lenços na cabeça e com os filhos suportados no dorso por lindas e garridas capulanas, transportavam latas de petróleo (5 litros) em desuso e bem lavadas, para a recolha nas pequenas poças de águas salobras deixadas pela debanda da maré, dos deliciosos moluscos bivalves. Todos estarão recordados, que nas manhãs domingueiras  os laurentinos tinham como hábito deslocarem-se à aquela aldeia, para comprarem peixe fresco; abundavam as corvinas, garupas e peixe-serra  vendidas a olho e as amêijoas, medidas em latas vazias de compotas sul africanas . Se as compras fossem avantajadas, havia sempre a hipótese de regatear o preço. Foi naquele recato piscatório, que muitos jovens do meu tempo passaram momentos agradáveis, pescando junto à ponte com canas de bambu e poucos metros de fio de nylon, com uma rolha a servir de bóia e o pequeno anzol armadilhado com minhoca, à espera que as pescadinhas mordessem o isco e  quase sempre se enchia o saco. Depois da pescaria nada melhor do que os sprints, em direção às águas quentes que se espraiavam ao longo das areias brancas, para sucessivos mergulhos. Para tornar mais original aquele cenário, a tranquilidade reinante a que não pareciam ficar alheias as pequenas embarcações de pesca, que em terra ou na água, esperavam o retorno à faina. Lembro-me que naquele espaço, existia a paragem do machimbombo da linha 29 que demandava à cidade, percorrendo um estradão de alcatrão fendido até se atingir o Bairro Ferroviário das Mahotas e de terra batida até ao excêntrico Bairro da Coop. São estes flashes de momentos felizes que vivi por aquelas paisagens quentes, onde a aldeia dos pescadores enlaçava entre as suas gentes e a natureza uma harmonia perfeita.

Manuel Terra   

terça-feira, 7 de junho de 2011

O semanário Tempo




Soube recentemente, que vai ser reeditado o semanário Tempo em forma de revista na capital moçambicana e de imediato chegam-me à caixa de recordações, imagens da sua publicação de outrora de capas coloridas e impressa em moderno offset, que causou furor naquele território, no início da década 70. Tinha a sua gráfica e redação na cave do imponente Prédio Invita com os seus vinte pisos, sito na Av. Afonso de Albuquerque(hoje Ahmed Sékon Touré) já muito próximo do cruzamento com a Av. Princesa Patrícia(hoje Salvador Allende) e com vista para a Mansão/Associação dos Velhos Colonos. Lembro-me do lançamento do semanário que foi apoiado por um grupo de accionistas e do corpo redatorial, que tinha como diretor adjunto Rui Cartaxana(já falecido) e com a colaboração de Mota Lopes, Areosa Pena, Migueis Júnior , Mia Couto entre outros jornalistas de uma geração de reconhecidos méritos e, dos repórteres de imagem Ricardo Rangel(já falecido) e de Kok Nam. Tinha como forma de toque o molde com que abordava questões relacionadas com a economia, investimentos, eventos sociais, culturais e desportivos, bem assim como artigos de opinião e a caixa de correio dos leitores. Com uma linha editorial ousada para a época, afinal vivia-se a propalada primavera marcelista, a Tempo aproveitando o ambiente político e social que fervilhava, enfrentou a censura existente contudo mais benevolente na  Pérola do Índico, incomodando o regime. Como seria de esperar o teor de informação suscitou a curiosidade de todos os que lá nasceram ou habitaram, a esgotarem-se muitas edições nas bancas como consequência do ávido interesse dos leitores que procuravam comprender melhor  a realidade do Império  português . Considerado por uns como sensacionalista e polémico e ,por outros como um órgão de comunicação  diferente e independente,  acabou no período pós-independência por se extinguir, presumivelmente por falta de sustentabilidade. Que os novos tempos constituam um desafio para os seus responsáveis, tendo o bom gosto de perseverar o título do semanário obrigando-me por instantes  a recuar a uma época da qual eu e muitos mais fomos assíduos leitores.

Manuel Terra

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Bairro S. José

São sempre momentos de imenso prazer, imbuídos de grande sensibilidade referenciar espaços que representaram um ponto de encontro da minha juventude, com aquela Lourenço Marques de que todos falam com brilhante entusiasmo. É verdade que  a cidade era a expressão própria de um paraíso prometido que se estendia desde o núcleo central até às zonas periféricas,  dormitório de gente simples que muito cedo, ainda a noite celeste cobria a urbe, já se avistava de sorriso nos lábios a dirigir-se para as paragens dos machimbombos, procurando chegar bem rápido aos locais de emprego para garantir o pão nosso quotidiano. Eram exemplo disso os moradores do Bairro de S. José que nasceu nos primórdios do século XX, caraterizado  por casas típicas  térreas meias escondidas por árvores frondosas já com alguma longevidade. Por ali passava a Av. do Trabalho e de lá desembocavam saídas para a Matola, Bairro do Jardim , Vale do Influene , Choupal e o jovem Bairro de Benfica. Os primeiros habitantes do Bairro de S. José, criaram porventura por devoção ao Santo um vasto espaço  para ação eclesiástica mandando construir uma igreja  a preceito e uma missão católica para a difusão do ensino, por onde passaram milhares de alunos de todas as raças, com o lema de formarem homens que se tornaram amigos para sempre. Bem me lembro que ao lado do templo, se situava o campo de Futebol em terra batida, vedado com traves de madeira onde o Grupo Desportivo de S. José se treinava, no tempo em que se jogava por amor à camisola. Tratava-se de uma equipa popular que atuava no escalão secundário, do Campeonato Distrital. Aos domingos a mocidade irrequieta, com  grande aprazimento jogava futebol desde o romper da aurora até ao pôr do sol, regressando a casa ofegantes e a suar. Alguns deles vieram a fazer carreira em clubes portugueses, casos de Calton e Zeferino. Nos meados da década 60 foi inaugurado muito próximo das instalações da Missão, com pompa e circunstância o moderno Colégio D. Bosco dirigido por padres salesianos , que colocavam quase pelos modos a educação e o desporto no mesmo patamar, nutrindo pela prática do hóquei em patins um carinho muito especial. Criaram um ringue de patinagem e inscreveram o colégio nas provas federadas, gesto de incondicional apoio à modalidade. Dava gosto ver a organização daquele grupo, que desenhavam em campo rendadas jogadas de fazer furor junto dos simpatizantes e eram incondicionalmente na década 70, os dignos sucessores dos grandes hoquistas moçambicanos que 1958, deslumbraram Montreux. Ainda recordo da equipa do Colégio D.Bosco  os jovens promissores  Araújo, Afonso e o meu amigo Anselmo( Infelizmente já falecido). Tenho presente o Bairro de S. José pelos melhores motivos , onde contava com alguns amigos e não esqueço que os adolescentes, tinham como prática comum naquelas cálidas noites de verão sentarem-se nos muros das casas entoando músicas da moda, fazendo soltar das violas sons musicais que indiciavam vocações perdidas, em entretimentos que tardavam acabar. São estas memórias que fizeram parte de muitos dias da minha vida, que criaram laços de afeição aquela terra tropical. É natural que depois da separação, sempre assim aconteça.

Manuel Terra

quinta-feira, 24 de março de 2011

Bairro da Malhangalene





Amiúdas vezes, acabo por não resistir à ideia de abrir a janela do tempo vivido naquela cidade de culturas distintas, orgulho de quem lá nasceu ou um dia lá viveu.  A antiga Lourenço Marques deixou-nos testemunhos que têm muito a dizer e que ajudam a explicar o entusiasmo como muita gente a retratava. É bem verdade que nem só de cimento se construiu aquela imensa terra africana, que enquadrava no progresso e desenvolvimento a dinâmica e coragem dos seus habitantes. Daí o fascínio constante de uma paixão eterna que ninguém ousa interromper, pela forma intensa como aprendeu a amá-la. São estes sentimentos que nos tocam e que nos fazem relembrar fatos e lugares, que nos ficaram na retina. A sedução leva-me ao tempo da minha infância, quando petiz fui matriculado na Escola João Belo (hoje Filipe Samuel Magaia) maioritariamente frequentada por alunos oriundos do Bairro da Malhangalene, que aprendi  a admirar a mística dos seus moradores que dispersos por largos, ruas e travessas (Ostentavam o nome de regiões e cidades da Metrópole)  eram o exemplo do mais singelo bairrismo que presenciei, em que vizinhos  e amigos se uniam para tudo sequiosos de serem os melhores.  Bairro  caraterizado pelo sua malha urbanística  que raramente contemplava  prédios com mais de 3 andares e engalanada de imensas moradias contíguas , marginadas de lindos quintais e construídas a bom gosto. A zona começava por bem dizer no cruzamento da Av. Manuel de Arriaga (hoje Av. Karl Marx) com a Av. Caldas Xavier (hoje Av. Marien Ngouabi ) junto ao Cordeiro, uma famosa casa de pasto que servia água de Lisboa (nome que os africanos, por humor davam ao vinho) nétar sempre acompanhado por bons petiscos. Não muito distante, localizava-se as instalações do Grupo Desportivo da Malhangalene (hoje Clube Desportivo Estrela Vermelha, infelizmente em processo de insolvíção) filial do F.C do Porto, fundado  por gente simples e humilde sempre pronta a contribuir para a agremiação que prestigiou o desporto moçambicano. Possuía um excelente pavilhão coberto, campo polivalente ao ar livre e o campo de Futebol.  Lembro-me do saudoso Adrião, pai do Fernando e do José Adrião que carinhosamente ensinava à miudagem os segredos da modalidade, da grande equipa de Basquetebol do G.D.M por sinal  venceu  o Campeonato Nacional em 1974. Quem já não se recorda  do Senhor Teixeira, apaniguado dos sete costados que gritava a plenos pulmões o nome do “ Malhanga “. Um verdadeiro ninho de grandes hoquistas e basquetebolistas, que se tornaram vedetas além-fronteiras. Ficou célebre também a Copa Malhanga, em futebol de salão, os torneios internacionais de Luta-livre que contagiavam as bancadas e as tardes dançantes que fizeram furor na época, onde as melodias em voga animavam a juventude efusiva e romântica da  minha geração.  O bairro esboçava-se até vasto espaço da Av. Augusto Castilho (hoje Av. Vladimir  Lénine) e já próximo da Av. Massano de Amorim (hoje Av. Karl Marx) pontificava a Igreja Nossa Senhora das Vitórias de perfil arquitetónico distinto a que os moradores demonstravam grande devoção. Recordo-me muito bem da antiga igreja que se situava na Rua Heróis de Marracuene (hoje Rua da Resistência) junto a um pequeno jardim, onde terminava o percurso do machimbombo da linha 16. São estas belas imagens que me emergem ao pensamento, numa reverente invasão de recordações que marcaram um tempo.

Manuel Terra

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Ponta do Ouro



Guiado pela instintiva paixão de relembrar os velhos tempos vividos em LM, o eco do meu pensamento esbate-se na paradisíaca  praia da Ponta do Ouro, localizada no Sul e distava a 120Km da capital fazendo fronteira com a vizinha África do Sul através de um pequeno posto, que ligava à estrada de Kusi Bay. Há muito tempo que ponderava visitar aquelas paragens, um autêntico paraíso marinho. Decorria o mês de Dezembro de 1974 e tudo ficou acertado no Café Chilena que ficava na Av. 24 de Julho entre o Cinema S.Miguel (hoje Assembleia da República) e as instalações da Associação Cultural Africana. Era a Zona do Bairro da Malanga.  Os amigos Júlio e o Zé Carlos conviventes daquele espaço, aceitaram o desafio e combinamos a viagem que podia ser via Boane ou então em alternativa utilizar o recém inaugurado ferry-boat que efectuava  o transporte fluvial de automóveis e passageiros para a Catembe. Optamos pela segunda via e sexta-feira ao cair da tarde já com as nuvens a avermelharem o horizonte, embarcamos levando as bagagens no Austin do Júlio. Depois de meia hora de navegação aportamos à outra margem com a noite silenciosa a prometer companhia. Esperávamo-nos uma pequena aventura através de uma estrada de terra batida, em alguns casos com contornos de picada, salpicada de pó e ladeada de capim que encobria muitas palhotas rodeadas de inúmeras micaias(árvore tradicional africana com muitos picos) que se adaptavam a solos secos  e a marcha foi continuando com algumas dificuldades, porque os buracos abundavam. A nossa juventude ajudava de sobremaneira a espantar o sono e a fadiga. Fizemos depois de atravessar a povoação da Bela Vista, uma pausa na localidade de Salamanga para aconchegar o estômago. Paramos junto a uma cantina (nome como era conhecida uma pequena mercearia) e os proprietários lá nos conseguiram servir uma salada de conservas,  com pão duro  confeccionado com fermento duvidoso e umas cervejas. Reiniciado o percurso atingimos a Praia de Malongane sobejamente conhecida pelas suas dunas e vegetação, para pouco depois chegarmos ao destino, após quase quatro horas a rolar. Rapidamente alugamos um bungalow para o merecido descanso. Como era deveras agradável ouvir as ondas a enrolar na areia, numa cumplicidade apaixonante. Na manhã de sábado era já  visível a grande afluência de turistas, especialmente sul africanos transportando os seus iates e lanchas rápidas para pequenos passeios e para a prática da caça submarina. Era vê-los a envergarem os escafandros e armas equipadas com arpões e zarparem  para o largo a  procurarem as espécies que abundavam nas profundidades do mar( garoupas, barracudas e tubarões medianos). Para a tarde ficou planeada a nossa pescaria, altura em que a maré começava a encher e parece que ainda estou a ver o Zé Carlos a fazer um excelente lançamento de linha a partir do limite do areal e de imediato a rejubilar com o curvar da cana; sinal de que o peixe já tinha mordido o isco. Foi com muita paciência e arte que depois de algum tempo, sempre rodeado de gente curiosa, que arrancou das águas um belo exemplar de xaréu com mais de 6kg, que uns dias depois foi cozinhado pelas mãos hábeis da mãe do Zé Carlos e partilhado com os amigos. Até o sol  raiar ainda capturamos algumas enchovas, que predominavam naquela zona marítima. A manhã de domingo foi reservada para umas caminhadas pelas areias finas e uns mergulhos e braçadas nas suas transparentes águas. Cá fora estava um calor abrasador. Era já tempo de arrumar mochilas e canas e ir almoçar ao restaurante que ficava no terminal do paredão.  O relógio dávamo-nos conta que estava na hora do regresso e eis-nos de novo de retorno à aventura para chegarmos a tempo  ao Cais da Catembe. Foi sem dúvida um fim de semana em grande. Como é agradável recordar a rara beleza daquelas belas paisagens, onde o sol brilhante da cor do ouro, parece tal como o arco-íris unir o céu ao paraíso térreo . Sou  dos que porfiam que a Ponta do Ouro, tem mais encanto na hora da partida. 

Manuel Terra

domingo, 9 de janeiro de 2011

Os domingos de Verão na praia do Miramar


Na minha fonte de recordações, continuam a desfilar inesgotáveis paixões de outrora que resultam da forma intensa, como se vivia aquele tempo. Perco-me hoje pela linda praia do Miramar, vaidosa das areias brancas banhadas por águas calorosas e calmas, que faziam as delícias dos banhistas laurentinos e de milhares de turistas sul-africanos que acampavam no bem tratado Parque de Campismo Municipal nas proximidades do Restaurante e Snack bar  Miramar. Era vê-los chegar em auto caravanas ou potentes automóveis que rebocavam  confortáveis roulottes.  Gente simpática recebida de braços abertos, sobretudo pelos jovens da minha idade que se deslumbravam com o desfile sempre constante das elegantíssimas  “bifas” presenteadas por uns piropos românticos, rematados em frases feitas de um inglês prático  a que as moças  correspondiam com sorrisos matreiros. O restaurante com esplanada estava sempre azafamado de frequentadores de muitas culturas atraídos pelos bons petiscos e pela qualidades das boas cervejas moçambicanas e das suas mesas assistia-se a um salutar convívio e entre risadas e olhares matreiros , no ar esvaiam-se  novelos de fumo que descontraídos tabagistas expeliam como que rendidos aos ideais das principais marcas de cigarros. Depois era só descer as escadas para a praia arenosa e caminhar em pezinhos de lã, para não lançar areia para cima dos muitos veraneantes que sobre esteiras ou toalhas procuravam a radiação dos raios ultravioletas para o desejado bronze. Nas águas sucediam-se  os mergulhos  e os espetáculos  de ski naútico. Recordo os dois longos paredões, onde os pescadores desportivos montavam as suas canas de pesca e os enormes penedos  para proteção  do betão  eram também refúgio de caranguejos de várias espécies. Sempre que a maré vazava achava-se o espaço ideal para umas partidas amistosas de futebol de praia, pretexto para o almoço já agendado. E  porque não evocar o senhor Vedor, homem de cinquenta e muitos anos que percorria toda a zona de praia na área mais propícia dando toques sucessivos com bola alternando os pés e sempre acompanhado por um rol de curiosos que testemunhavam as suas habilidades. Era pai do Vedor que jogava no 1º de Maio e tio de  Magalhães que alinhava no Sporting. Na parte sobranceira da Praia do Miramar, estendia-se entre o Restaurante Miramar e o Dragão de Ouro ,hoje já desaparecido  (hotel Holiday) um largo passadiço equipado de dois longos balneários com alpendres e bancos de cimento, sempre percorrido pelos que apreciavam as caminhadas. O antigo restaurante chinês Dragão de Ouro era o local recomendado  dada a qualidade da sua gastronomia, sendo as refeições servidas com especial esmero. Também por lá se organizavam as passagens de fim de ano, com os laurentinos a festejarem o seguinte na praia do Miramar. São estas marcas do passado que me conseguiram cativar das quais não consigo  desprender ,vividas em tempo real.
Manuel Terra