quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

A Mansão dos Velhos Colonos





Neste desfilar constante pelos caminhos da saudade, a cada passo surgem-me recantos daquela Lourenço Marques fascinante, onde no virar da esquina , haveria sempre uma história para contar. Achava-se tanta coisa de nós, na relação constante e afetiva com aquela terra, onde aprendemos que por trás de tudo, estavam pessoas de várias gerações que deram o melhor de si, em prol do progresso e desenvolvimento da Pérola do Índico, como alguém um dia carinhosamente lhe chamou. É das gavetas das recordações, que contemplo o belo edifício da Mansão dos Velhos Colonos. Implantado ao que consta em 1919, num vasto quarteirão que abrangia a Av. Pinheiro Chagas ( hoje Av. Eduardo Mondlane), Av. Princesa Patrícia (hoje Av. Salvador Allende) ,Av. Afonso de Albuquerque (hoje Av. Sekou Touré)  e Rua dos Velhos Colonos( hoje  Rua Francisco Malnge) . Quanto me fizeram saber, o edifício com dois pisos revelava na sua construção, alguma génese maçónica ( de referir que durante o período da vigência republicana, ilustres membros da Maçonaria deram um forte contributo, nas área da engenharia, arquitetura  e saúde, em Moçambique) serviu na fase inicial o ensino, com a designação de Instituto de Portugal. Tinha também a vertente de internato para alunos de ambos os sexos, mas que viria a ser extinto, por decisão politica após o golpe militar de 1926 ocorrido na Metrópole, era assim que se dizia e que punha fim ao ciclo da República. A Irmandade terá então cedido o espaço, por vontade própria, para a criação da chamada Mansão dos Velhos Colonos, inserida nos estatutos da Associação dos Velhos Colonos de Moçambique. Foi inaugurada solenemente a 1 de Dezembro de 1938, destinada a receber velhos colonos, assim considerados todos aqueles que no final do século XIX e, nos primórdios do século XX, viajaram para Moçambique, nos vagarosos vapores que demoravam mais de um mês a aportar ao território. Poderiam ser inscritos, os que por lá se fixaram e que tivessem para o efeito, mais de vinte e cinco anos de residência e desde que fizessem prova de falta de recursos financeiros, ou acolhimento familiar. Uma forma do Estado dar uma vida condigna, aos que na fase mais avançada da vida, careciam de carinho e acompanhamento. Porventura um maior afluxo na procura de apoio social, levou em 1946 à ampliação do edifício que acrescentou mais dois pisos, adicionados aos já existentes ( de salientar que muitos edifícios da cidade, foram projetados de forma a suportar numa fase posterior, mais andares) resultando a construção de mais camaratas, postos médicos , salas de visitas e outros departamentos. Tive a oportunidade de conhecer o seu interior e funcionalidade, durante algumas visitas proporcionadas por um ente familiar, a trabalhar na área de enfermagem. Nas salas de visitas, descortinavam-se utentes de várias nacionalidades, homens e mulheres que gostavam de contar histórias, tão ricas de conteúdo e de trajeto, tudo menos vida fácil. Quase todos os portugueses, lembravam com nostalgia  o rincão que os viu nascer ( a maioria nunca mais lá regressou) e a forma melancólica como viveram os primeiros tempos, amordaçados   ao último adeus, dos que um dia os viram partir. Rostos em que cada ruga, traduzia os trilhos de uma vida dura; gente que teve que vencer as agruras do clima, o flagelo das doenças tropicais, o isolamento do interior e habitações em regra, pouco confortáveis. Dessa forma, foram ajudando a escrever a história da sua segunda pátria, como faziam questão de dizer. Para lá da estrutura social da Mansão, a Associação dos Velhos Colonos de Moçambique lavrara nos seus estatutos, a componente cultural e desportiva. Possuía para o efeito, um amplo salão de festas, biblioteca, sala de arte fotográfica e exposições, como também ali funcionavam os serviços orgânicos. Na área do desporto, praticava-se esgrima, xadrez, ténis e natação. Na esgrima, era instrutor da modalidade um conceituado ex-praticante, nada menos do que Manuel Borrego, que conheci pessoalmente como mestre de oficinas de serralharia na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque e, que foi campeão nacional pelo Sporting Clube de Portugal creio que em 1957 e 1958. Fez parte também da seleção olímpica portuguesa de esgrima, onde representou Portugal nos jogos Olímpicos de Roma em 1960. Existiam ainda courts de ténis, um recinto aberto polivalente e um Parque Infantil que fazia a alegria da petizada, no caso os filhos de associados. Em 1950 era inaugurada a sua piscina, onde se divulgava a prática da natação. Foi efetivamente nesta modalidade, que a AVCM passou a competir com grande visibilidade nas provas oficiais, mantendo uma sã rivalidade com a secção do GDLM, competindo também com nadadores do CFM e SCLM. Nomes como o de Eduardo Horta, João Rocha, Eduardo Murinelo, Cabanelas, Amélia Sampaio e muitos outros à época, ajudaram a natação da AVCM a construir a sua brilhante história, que muitos certamente testemunharam. Hoje a sua piscina, é pertence da Associação Natação de Maputo. Ainda me recordo das participadas e animadas sessões de bingo, que tinham lugar no seu salão de festas. É esse passado vivo que retenho na memória, de homens e mulheres de todas as raças, pioneiros que no auge da vida adulta, arregaçaram as mangas e trabalhando arduamente, atulharam pântanos e desbravaram terras, construtores de uma cidade embrionária, que se haveria de transformar numa das mais belas e concebidas cidades de toda a África, orgulho das gerações vindouras. Hoje o Edifício da Mansão, sofreu obras de remodelação, havendo o cuidado (apenas com ligeiras alterações) de manter a arquitetura das suas fachadas. A da entrada principal, achada no cruzamento da Av. Pinheiro Chagas com a Av. Princesa Patrícia, serve a Faculdade de Educação Física da Universidade Pedagógica e a antiga entrada de utentes, no cruzamento da Av. Afonso de Albuquerque com a Rua dos Velhos Colonos, dá corpo à Sede do Ministério da Mulher e Ação Social. Nada que retire porém a quem a conheceu, a magnificência da sua construção.

Manuel Terra 

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