Neste desfilar constante pelos caminhos
da saudade, a cada passo surgem-me recantos daquela Lourenço Marques fascinante,
onde no virar da esquina , haveria sempre uma história para contar. Achava-se
tanta coisa de nós, na relação constante e afetiva com aquela terra, onde
aprendemos que por trás de tudo, estavam pessoas de várias gerações que deram o
melhor de si, em prol do progresso e desenvolvimento da Pérola do Índico, como
alguém um dia carinhosamente lhe chamou. É das gavetas das recordações, que
contemplo o belo edifício da Mansão dos Velhos Colonos. Implantado ao que
consta em 1919, num vasto quarteirão que abrangia a Av. Pinheiro Chagas ( hoje
Av. Eduardo Mondlane), Av. Princesa Patrícia (hoje Av. Salvador Allende) ,Av.
Afonso de Albuquerque (hoje Av. Sekou Touré)
e Rua dos Velhos Colonos( hoje
Rua Francisco Malnge) . Quanto me fizeram saber, o edifício com dois
pisos revelava na sua construção, alguma génese maçónica ( de referir que
durante o período da vigência republicana, ilustres membros da Maçonaria deram
um forte contributo, nas área da engenharia, arquitetura e saúde, em Moçambique) serviu na fase
inicial o ensino, com a designação de Instituto de Portugal. Tinha também a
vertente de internato para alunos de ambos os sexos, mas que viria a ser
extinto, por decisão politica após o golpe militar de 1926 ocorrido na
Metrópole, era assim que se dizia e que punha fim ao ciclo da República. A
Irmandade terá então cedido o espaço, por vontade própria, para a criação da
chamada Mansão dos Velhos Colonos, inserida nos estatutos da Associação dos
Velhos Colonos de Moçambique. Foi inaugurada solenemente a 1 de Dezembro de
1938, destinada a receber velhos colonos, assim considerados todos aqueles que
no final do século XIX e, nos primórdios do século XX, viajaram para
Moçambique, nos vagarosos vapores que demoravam mais de um mês a aportar ao território.
Poderiam ser inscritos, os que por lá se fixaram e que tivessem para o efeito,
mais de vinte e cinco anos de residência e desde que fizessem prova de falta de
recursos financeiros, ou acolhimento familiar. Uma forma do Estado dar uma vida
condigna, aos que na fase mais avançada da vida, careciam de carinho e
acompanhamento. Porventura um maior afluxo na procura de apoio social, levou em
1946 à ampliação do edifício que acrescentou mais dois pisos, adicionados aos
já existentes ( de salientar que muitos edifícios da cidade, foram projetados
de forma a suportar numa fase posterior, mais andares) resultando a construção de
mais camaratas, postos médicos , salas de visitas e outros departamentos. Tive
a oportunidade de conhecer o seu interior e funcionalidade, durante algumas
visitas proporcionadas por um ente familiar, a trabalhar na área de enfermagem.
Nas salas de visitas, descortinavam-se utentes de várias nacionalidades, homens
e mulheres que gostavam de contar histórias, tão ricas de conteúdo e de trajeto,
tudo menos vida fácil. Quase todos os portugueses, lembravam com nostalgia o rincão que os viu nascer ( a maioria nunca
mais lá regressou) e a forma melancólica como viveram os primeiros tempos,
amordaçados ao último adeus, dos que um
dia os viram partir. Rostos em que cada ruga, traduzia os trilhos de uma vida
dura; gente que teve que vencer as agruras do clima, o flagelo das doenças
tropicais, o isolamento do interior e habitações em regra, pouco confortáveis.
Dessa forma, foram ajudando a escrever a história da sua segunda pátria, como
faziam questão de dizer. Para lá da estrutura social da Mansão, a Associação
dos Velhos Colonos de Moçambique lavrara nos seus estatutos, a componente
cultural e desportiva. Possuía para o efeito, um amplo salão de festas,
biblioteca, sala de arte fotográfica e exposições, como também ali funcionavam
os serviços orgânicos. Na área do desporto, praticava-se esgrima, xadrez, ténis
e natação. Na esgrima, era instrutor da modalidade um conceituado
ex-praticante, nada menos do que Manuel Borrego, que conheci pessoalmente como mestre
de oficinas de serralharia na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque e, que
foi campeão nacional pelo Sporting Clube de Portugal creio que em 1957 e 1958.
Fez parte também da seleção olímpica portuguesa de esgrima, onde representou
Portugal nos jogos Olímpicos de Roma em 1960. Existiam ainda courts de ténis,
um recinto aberto polivalente e um Parque Infantil que fazia a alegria da
petizada, no caso os filhos de associados. Em 1950 era inaugurada a sua
piscina, onde se divulgava a prática da natação. Foi efetivamente nesta
modalidade, que a AVCM passou a competir com grande visibilidade nas provas
oficiais, mantendo uma sã rivalidade com a secção do GDLM, competindo também
com nadadores do CFM e SCLM. Nomes como o de Eduardo Horta, João Rocha, Eduardo
Murinelo, Cabanelas, Amélia Sampaio e muitos outros à época, ajudaram a natação
da AVCM a construir a sua brilhante história, que muitos certamente
testemunharam. Hoje a sua piscina, é pertence da Associação Natação de Maputo.
Ainda me recordo das participadas e animadas sessões de bingo, que tinham lugar
no seu salão de festas. É esse passado vivo que retenho na memória, de homens e
mulheres de todas as raças, pioneiros que no auge da vida adulta, arregaçaram
as mangas e trabalhando arduamente, atulharam pântanos e desbravaram terras,
construtores de uma cidade embrionária, que se haveria de transformar numa das
mais belas e concebidas cidades de toda a África, orgulho das gerações
vindouras. Hoje o Edifício da Mansão, sofreu obras de remodelação, havendo o
cuidado (apenas com ligeiras alterações) de manter a arquitetura das suas
fachadas. A da entrada principal, achada no cruzamento da Av. Pinheiro Chagas
com a Av. Princesa Patrícia, serve a Faculdade de Educação Física da
Universidade Pedagógica e a antiga entrada de utentes, no cruzamento da Av.
Afonso de Albuquerque com a Rua dos Velhos Colonos, dá corpo à Sede do
Ministério da Mulher e Ação Social. Nada que retire porém a quem a conheceu, a
magnificência da sua construção.
Manuel Terra
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