Caminhando pela longa ponte que liga a margem do passado à do presente, a corrente das memórias arrasta-me para os inadiáveis encontros com ciclos de vida já percorridos. Recentemente tive conhecimento da passagem do 1º centenário da inauguração da antiga Igreja de Santa Ana da Munhuana, um pequeno templo religioso que contou com a presença do Príncipe D. Luís, que ainda hoje existe enquadrado na área do Colégio, que servia também para o ensino do catolicismo. Ficava situada na Av. Dr. J. Serrão (hoje Av. Emília Daússe). Contudo a minha evocação reporta-se à moderna igreja, construída na década 60 de conceção moderna e bastante ampla, localizada no cruzamento da Av. Latino Coelho (hoje Av.Maguiguane) com a Av. Paiva de Andrade (hoje Av.Mohamed Siade Barre) já muito próxima do Bairro do Alto-Maé. Outrora toda aquela zona era designada por Bairro da Mafalala e segundo quanto pude apurar, naquele terreno de terra solta onde se ergueu o santuário, lá se jogaram peladinhas animadas com o Eusébio, Vicente, Hilário e outras vedetas moçambicanas. A Igreja da Munhuana, nesse tempo estava confiada ao cónego Henrike, religioso holandês que coordenava a Ordem da qual faziam parte, muitos curas oriundos do país das tulipas. Recordo o velho monge que já contava muitos invernos, de barbas longas branqueadas pela idade, que cuidava ao pormenor do jardim envolvente. Tudo seria normal, se não fora um jovem padre que ditou que a missa dominicana às 8 horas e 30 minutos, fosse consagrada à juventude com a particularidade de ser cantada, permitindo aos jovens interpretarem em coro; Jesus Cristo Super-Star e a Montanha, acompanhados de conjunto musical bem afinado, os grandes êxitos do cançonetista Roberto Carlos, um grande ídolo da nossa geração. Eram centenas de jovens, que davam corda aos sapatos para estarem presentes na cerimónia. O espaço já se tornava exíguo para tantos devotos, fato que suscitou alguma polémica e incomodou a polícia do regime, independentemente de uma restrita liberdade, concedida ao clero. A oportuna intervenção do Arcebispo de LM, D. Custódio Alvim Pereira fez saber, que não via nenhuma sombra de pecado nas evocações, consideradas um hino e o sacerdote aliviado do rótulo de subversor estrangeiro. E foi embalado por esse movimento, que tive o ensejo de ouvir por diversas vezes na mesma igreja, a voz inconfundível do grande tenor Carlos Guilherme e grandes concertos da Orquestra Cívica e Coral Moçambicano. Foram momentos de gala, que retenho para a posteridade, assim como muitos que os puderam testemunhar naquele temp(l)o.
Manuel Terra
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