segunda-feira, 19 de abril de 2010

Alto-Maé



Na persecução mordaz da nostalgia dos bons velhos tempos, assalta-me a memória um spot publicitário do Rádio Clube de Moçambique que propalava: O Ponto Final é, onde acaba a Central (outra zona da cidade) e começa o Alto-Maé. Sem qualquer alusão gramatical, tratava-se de uma afamada marisqueira localizada no cruzamento da Av. Pinheiro Chagas (Eduardo Mondlane) com a Av. General Machado (Guerra Popular) onde os crustáceos eram cozinhados com mestria e regados com cerveja de palato requintado ou do melhor vinho verde importado. Junto à sua entrada, o olhar espraiava-se pela longa artéria de três faixas de rodagem até ao buliçoso bairro do Alto-Maé, zona de transição das áreas suburbanas para a urbe de cimento. Era um verdadeiro marco no dia a dia de LM, dormitório de gente simples, trabalhadora e de sorriso nos lábios. Por algum tempo, os meus pais lá residiram, junto  à Casa Bem-Fica, mesmo defronte de um dos mais antigos estabelecimentos de modas, a Casa Fabião (hoje uma dependência bancária). Naquela linha onde fervilhava o comércio, em que tudo se vendia a preços mais acessíveis, crescia a azáfama de um formigueiro humano aparentemente sem destino, mas que rapidamente se descortinava nos mais diversos estabelecimentos e repartições. Gente multicor, que se cruzava ao virar de cada esquina e se movia ao ritmo que aquela terra reclamava. A maioria dos prédios mais altos, apresentavam nas alas laterais, a mais variada publicidade projetada, de inteiro agrado dos seus moradores. Nos seus baixos comerciais, quem já não se lembra da Saratoga, Papelaria Folques, Foto Coimbra desse grande profissional Armindo Afonso, do Cinema Infante (Charlot), passando pelo Restaurante 2024 (ricas bifanas), Pastelaria Paris, as instalações do B.N.U e da escola primária do bairro. Afinal nada se perdeu, apenas tudo se transformou. O Restaurante Imperial que eu frequentei em comemorações festivas de amigos, era conhecido pelo seu arroz branco acompanhado de longos lagostins, grelhados no melhor carvão do interior e pincelados de um molho especial. Como é agradável citar o Restaurante o Leão d`Ouro que se orgulhava de ser o melhor em todos os pratos onde entrasse o fiel amigo. Na sua esplanada encontravam-se instaladas colunas de som, que nos proporcionavam ouvir aos domingos os relatos de futebol, difundidos pela Emissora Nacional, com os golos do Eusébio a serem festejados efusivamente. No término do bairro, ficava o edifício dos correios e no virar para o Largo Albasini o carismático Bazar Rajá, comércio hindu onde vendedores de cofiós na cabeça e mulheres trajando vestes de sari, excediam-se na simpatia acrescentando à venda dos produtos, um “saguate”(pequena lembrança) na sua tradicional sagacidade e arte de bem vender. Era assim o Alto-Maé de outrora, que encantou gerações do meu tempo e que certamente residirá no imaginário de todos aqueles, que nunca puderam voltar.
Manuel Terra

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Assalto às memórias !



 


Amanheceu lindo, em Maputo, o dia 9 de Agosto do passado 2009. Era um domingo especial, esse dia, diferente de tantos domingos. Para ele  tinha eu reservado o início do grande assalto às memórias que o tempo resguardou intactas, apesar dos 35 anos já decorridos.
Quando acordei e dei comigo deitado numa cama de um Hotel no centro da cidade, saltei como que impulsionado por uma mola, e corri para a varanda disposto a enfrentar o impacto visual que só (digo eu) Maputo proporciona. Abri e fechei os olhos várias vezes. Aquilo que foi um sonho alimentado por um desejo crescente em o tornar realidade, estava a acontecer. É difícil, senão impossível, descrever por palavras as emoções que nesse momento se apoderaram de mim.
Socorri-me da camera fotográfica para perpetuar as imagens do meu contentamento. Não desliguei a máquina sem antes lhe prometer para esse dia, afincado trabalho sem folgas para descanso.
Nessa manhã o duche foi mais curto que o costume, mas a ânsia de pôr os pés a caminho do “fundo” de um sonho, impôs-se.
No pequeno almoço, dei o papel principal à papaia acompanhada de um delicioso sumo de goiaba. Entre cada trago, acendiam-se as luzes da memória e ficavam a descoberto episódios que já tinham sido colocados no arquivo morto, por ordem da mente.
Uma vez chegado à porta de saída (que também era a de entrada), perfilei-me em frente ao belo edifício da Sé Catedral e enquanto olhava para a escadaria de acesso à mesma, descortinava em mim, um miúdo em traje domingueiro, pela mão do seu pai, ao lado do mano mais velho, a caminho da habitual cerimónia eclesiástica. Contrariado sim, mas obediente.
Comecei então a cumprir o que tinha prometido à camera fotográfica. E ia na minha segunda fotografia, quando um jovem taxista vem ter comigo, alertando-me para o risco de estar a enquadrar um edifício que era do estado. E isso é crime que a polícia não deixa escapar adiantou o mesmo. Expliquei-lhe que estava a fazer uma fotografia panorâmica e que esse edifício não merecia qualquer destaque. Mas acabei por “meter a viola ao saco”, ou seja, a máquina na sua bolsa e agradeci ao jovem o alerta que me deu.
Ainda com tanto para contar acerca desse dia fantástico e já o texto vai demasiado alargado, recomendando um segundo capítulo para próxima oportunidade.
Entretanto, sejam felizes, por favor !


Aurélio Terra

domingo, 4 de abril de 2010

Os encantos da Marginal



Continuando as caminhadas em busca de um tempo vivido, a linha do horizonte deixa-me transparecer imagens das belas tardes domingueiras que passei, assim como muitos citadinos na extensa Marginal, pejada de altivas palmeiras e de bancos que se estendia desde o imponente edifício da Fazenda Pública (hoje Ministério das Finanças) até à Praia do Miramar, em passeio de cimento desenhado aos quadrados. Dali podia-se observar a vastidão da Baía do Espírito Santo, das águas calmas que suavemente beijavam a sua muralha, de forma quase romântica. Aquela Marginal sempre povoada de passeantes, que faziam um compasso de espera quase todas as vezes que um pescador desportivo, acelerava a alavanca do carreto da cana de pesca trazendo como troféu, um exemplar de peixe-serra ou mesmo uma corvina. Do lado de lá avistava-se a Vila da Catembe, com a sua linda praia aos pés. Ainda antes do meu regresso, foi inaugurado o cais do ferry boat que fazia a ligação para a outra margem. Defronte da Marginal situava-se o afamado Restaurante Zambi, sendo o seu salão de festas referenciado por bailes sem conta, abrilhantados  pelos Nigth-Stars ou o AEC. Quantos jovens e adultos não recordarão esses ritmos? Na explanada, entre umas cervejas e petiscos, sentia-se o agradável sossego de um convite à meditação. No pinheiral junto à casa do Minho, famílias e amigos resguardando-se da canícula, consolavam o estômago em animadas merendas. Nos terrenos subjacentes erguiam-se as instalações da FACIM (Feira Agro-Comercial- Industrial de Moçambique) visionada por milhares de visitantes. O seu interior ostentava pavilhões dos quatro cantos do mundo, gente que procurava mercado para os seus produtos. Já ao cair da tarde, um hábito criado era a passagem pelo quiosque dos gelados, junto à Rotunda Luminosa e próxima do Clube Naval, para se saborear um delicioso sorvete de baunilha ou morango. O passeio só viria a terminar, passando pela verdejante zona de eucaliptos, que envolviam as instalações do Ginásio local. Tinham de facto fama, aqueles memoráveis passeios que caracterizaram de uma forma muito especial, a vida quotidiana daquela época.

Manuel Terra