sexta-feira, 26 de março de 2010

De novo, "Retornado"




Naquela manhã do dia 8 de Agosto do ano de 2009, mal reparava no que acontecia à minha volta. Toda a minha atenção se concentrava no meu relógio de pulso. Tentava, em vão, empurrar com os olhos da alma, os ponteiros dessa máquina do tempo. Ansiosamente, aguardava na sala de embarque do Aeroporto de Lisboa, a chamada dos passageiros para o voo que me levaria, 35 anos depois, à capital das minhas memórias. Já tinha acertado a hora, pelo fuso horário de Moçambique.Com este acto, impulsivo, sentia-me já com um pé na cidade de Maputo.
Há esperas que parecem durar uma eternidade. Dez horas e trinta minutos separavam-me do alvo do meu desejo.
Uma vez no ar, envolvi-me  muita vezes com as minhas emoções. Cheguei a duvidar que conseguisse sentir-me turista naquelas férias. Pensei que este regresso ao passado iria ignorar a razão para que tudo ficasse por conta do coração. À medida que me aproximava dessa pérola do Índico, as batidas cardíacas aceleravam a um ritmo preocupante. Vi-me obrigado a fazer algumas “fugas” à emoção para reencontrar o melhor equilíbrio possível.
Já em voo descendente, abandonei o coração à sua sorte. No avião, alguns “colegas” de voo, denotavam a mesma ansiedade. Cruzávamos  o  olhar   e partilhávamos  a emoção sem qualquer suspiro. O momento era de silêncio. Os rostos contraiam-se, os olhos cerravam-se amiudadamente.
O cinto de segurança, teimosamente, recusava-se a fazer o encaixe, entregue que estava ao tremular das mãos. O assento parecia demasiado  pequeno para tanta agitação.
Naquele momento em que o avião tocou o solo do aeroporto de Maputo, restabeleceu-se o cordão umbilical que me tinha ligado àquela terra, há tantos anos.
Enquanto descia as escadas do avião, os pulmões deliciavam-se com aquele ar Africano.
A espera pela entrega das malas, foi mais demorada que o habitual, mas uma avaria no tapete por onde estas são entregues, assim o determinou. Não me perturbou essa demora, pois estava ainda a tragar, deliciado, o cheiro, as cores, as formas… daquele pequeno espaço de recepção ao viajante. Em qualquer outro lugar do mundo, apontaria a dedo as carências que esse espaço revelava, mas ali, os meus olhos só “viam” o que a alma queria. Não me sentia um viajante qualquer. Era, de novo, um “Retornado”, ainda que essa condição tivesse os dias contados.
Na posse das malas, dei a partida para o assalto às memórias.

Aurélio Terra

quinta-feira, 11 de março de 2010

A baixa citadina


A cada dia que passa, mais distante pareço ficar das minhas vivências que me fogem como um amor perdido. Resisto e remexo o passado e nas poeira das memórias vislumbro  recordações da antiga  Lourenço Marques. Tento rever  o cruzamento da Av. da República (25 de Setembro) com a Av. D. Luis(Samora Machel) que servia de modo ímpar o núcleo comercial da baixa citadina, famosa pela referência das inúmeras lojas, escritórios, restauração e vendedores de artesanato. Naquela cidade, tudo crescia a um ritmo alucinante. Depois da saída do trabalho, todos os caminhos pareciam convergir para as artérias da baixa. Era considerada a hora de ponta e o semáforo ignorado, pela presença do polícia sinaleiro que do alto da sua  peanha   num ritual de apitadelas e braçadas, dava a sensação de arbitrar os destinos de peões e automobilistas , que por ali passavam. Os largos passeios estavam superpovoados de transeuntes que pouca importância davam ao tempo. O Café Scala (hoje descaraterizado), Continental(atualmente encerrado) e o Djambú  eram preciosos testemunhos de uma época áurea, com as suas esplanadas sempre a abarrotar de clientes habituais, que em momentos de relaxe entre um café e uma cerveja, soltavam sílabas esfumadas entre dois ou três cigarros queimados. Era nessa área comercial que se situava os Armazéns John Orr’s afamados pela importância sedutora e sensual, das modas europeias. Muito próximo a Casa Coimbra era também um marco na venda de vestuário. Defronte  do Mercado Municipal, localizava-se a Casa Elefante que vendia as mais lindas capulanas de cores vivas e garridas. Da arcada do Prédio Nauticus, soava a musica yé yé  de discos vinil, difundida pela Discoteca(nada de confusões) Poliarte que vendia  também livros e obras de arte. Lembram-me também as matinés de fins de semana, no Teatro Scala e no Cinema Avenida, com preços especiais para estudantes. No final da baixa, em terrenos térreos instalava-se o Luna Parque que fazia a felicidade dos petizes e a distração dos adultos no mundo das diversões. Quando o sol se despedia dos laurentinos, disparavam os deslumbrantes néons publicitários instalados em tudo que era sítio, tornando a noite mais mágica e atraente. São estas imagens da outra face do tempo, que permanecerão infinitamente no subconsciente da imensa gente que viveu e continua a amar aquela terra.

Manuel Terra