domingo, 27 de dezembro de 2009

Por conta própria



Turista que se preza não termina as suas férias sem dedicar um dia às compras de recordações que hão-de comprovar “ad aeternum” a sua passagem pelo local por si escolhido.
Se há uma cidade onde, nesse sentido, o viajante terá a vida facilitada, Maputo é seguramente  uma delas.
Mesmo ao mais desatento turista, não lhe é permitido que ignore o que naquela terra há de bom. Quem percorre as ruas de Maputo chega a pensar que o comércio saiu à rua. Muitos dos metros quadrados dos passeios da cidade, são disputados pelos inúmeros vendedores ambulantes. Há quem venda à porta das lojas do comércio tradicional, os mesmos produtos que esses lojistas expõem nas montras. Como é possível que essa coabitação pacífica se mantenha sem desavenças? Pergunta o turista.
Um homem da terra, com um sorriso esclarecedor, afiançou-me que existe um “acordo de cavalheiros” entre as partes. Os produtos vendidos no passeio são adquiridos nessas lojas pelos vendedores ambulantes  que,  em caso de venda, se comprometem ao retorno de uma quantia previamente estipulada. Estranho, pensei eu, mas se a paz reina entre todos é porque o sistema funciona, admiti.
Este tipo de comércio ambulante dá origem a um movimento inusitado,  no que sobra dos passeios, de gente que se movimenta  atenta à procura daquela “pechincha” de que sempre esteve à espera. E ninguém leva a sério o valor do custo dos produtos, inscritos à mão num pedaço de cartão. Cada acto de compra, é precedido por uma negociação, onde o turista, com um certo jeito para regatear, pode adquirir a um preço justo os produtos recomendados pelo seu desejo.
E há de tudo, desde bebidas alcoólicas, até acessórios para o automóvel, passando pelos produtos hortícolas da época, roupa, sapatos, óculos, artesanato, etc.
E para quem vê, o seu telemóvel a avariar de um momento para o outro, negando-lhe aquela conversação urgente que estava a ter, também  encontra uma banca SOS para reparação deste e de outro tipo de produtos tecnológicos. A reparação é feita de imediato perante o olhar ansioso do cliente, que ao ver ao o seu telemóvel devolvido à vida, nem discute o valor que tem  que pagar por isso.
Podemos assistir à capacidade que muitos vendedores, têm de analisar a todo o momento, as tendências do mercado, e que em momento desfavoráveis pegam no atrelado de duas rodas, onde montam a sua banca, e vão ao encontro de outra esquina, onde a procura se adeqúe mais aos produtos que vende. É caso para de afirmar que esses negócios têm rodas para andar!
Com tanta gente a trabalhar por conta própria (às vezes parecem mais que os compradores), num negócio que certamente contribuirá pouco ou nada para a receita fiscal do País, perguntamos porque será que as autoridades “fecham os olhos” a esta realidade. Aprofundando um pouco mais este fenómeno sociológico, percebemos então porque é que ali, os caminhos da droga têm poucos adeptos.
Mesmo sendo parcos os rendimentos obtidos neste tipo de mercado, a verdade é que todos eles, pelo menos, têm uma ocupação.


Aurélio Terra

sábado, 19 de dezembro de 2009

Os fins-de-semana na Namaacha




Debruçado sobre a janela das memórias, tento avistar no horizonte das minhas recordações, aquela simpática vila, a que muitos talvez movidos por analogia chamaram a Sintra de Moçambique. Localizada numa região montanhosa, no interior sudoeste a 80 Km da capital moçambicana, faz fronteira com o reino da Suazilândia. Recuo ao tempo em que muitos laurentinos se encaminhavam aos fins-de-semana para a Namaacha, para usufruírem do repouso de uma semana de trabalho, naquele espaço aprazível, recheado de exotismo e extraordinária beleza. Jamais esquecerei, que também foi por lá que passei alguns dos melhores dias da minha vida e, porque lhe devia essa gratidão, visitei-a nos últimos fins-de-semana, antes do meu regresso a Portugal em Agosto de 76, em jeito de despedida. Pernoitei no antigo Hotel dos Libombos, que ficava mesmo ao lado da nova unidade de turismo, cujo proprietário era o mesmo (o Rocha, de Mirandela se não estou errado). Já lá vão mais de três décadas, período insuficiente para me desligar daquelas caminhadas matinais, que eu e um grupo de amigos tínhamos agendadas. As manhãs de Agosto eram gélidas, mas as passadas em ritmo acelerado ajudavam a aquecer. No percurso encantavam-nos aquelas casas de campo, erguidas em pedra, abundante na região, de requinte gosto com os seus pequenos quintais fronteiriços, onde as árvores de fruto tinham um lugar muito especial. O final da jornada, terminava como de costume nas suas deslumbrantes cascatas, que suportavam entre si uma velha ponte de madeira. No regresso ao hotel, ainda antes do almoço, havia tempo para uns breves mergulhos na sua longa e bem tratada piscina. Depois do repasto, as tardes ensolaradas convidavam-nos a mais um passeio, desta feita à mata de pinheiros, cercada de arame farpado, onde famílias inteiras se deslocavam para os famosos piqueniques. Por lá passavam milhares de peregrinos nas noites de 12 para 13 de Maio, em direção ao santuário mariano da Nossa Senhora da Namaacha. O dia domingueiro era reservado para o passeio geral à vila. Lembro-me das instalações escolares do Instituto Mouzinho de Albuquerque, dirigido pela Ordem Salesiana, que marcou posição de relevo no hóquei em patins e a grande “cantera” da equipa de D. Bosco. O colégio João de Deus( em ruínas) e o Barroso(hoje para  o curso de professores) eram  destinados á formação feminina. Todos os estabelecimentos da quela simpática vila, tinham uma excelente qualidade de ensino que marcou gerações para uma vida de sonho. Para o ligeiro descanso escolhíamos, o clube recreativo local. Ao longe, já se descortinavam as suas referências fabris, de uma linha de engarrafamento de água e das instalações da Canadadry, que tinham como cenário o realce cristalino, das quedas de água. Antes da noite cair, junto ao posto raiano comprávamos artigos de vestuário em lã, confecionados pelas mãos hábeis e artísticas das negras suázis. Tudo porque o inverno europeu, esperava por nós em terras lusas. A alegria só seria quebrada, pelo amargurar de um regresso indesejado, marcado pela nostalgia de um tempo perdido, varrido pelos ventos da história.

Manuel Terra

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Chamuças à mesa



Depois de mais um dia, em Agosto último, a saltar de emoção em emoção com a alma a chorar de alegria, tal era a felicidade de que se via acometida, cheguei ao Hotel quando a noite se impunha e o sol se punha. Mas já há algumas horas, que em vaivém permanente, a minha memória era atravessada por um pregão que tantas vezes o registou, em tempos que o passado fielmente guardou. De facto, o reencontro com alguns espaços da capital Moçambicana, fizeram-me crer que ouvia, proferido em voz alta “chamuçinha quentiiiiinha…”As chamuças, introduzidas em Moçambique pela numerosa população de origem goesa, era frequentemente vendida num cesto de vime com dois compartimentos, com uma asa central por onde o braço do vendedor a segurava. Eram, em regra, esses vendedores, pessoas de raça negra, que trajando uma farda de um branco imaculado, percorriam as ruas da cidade, num exercício vocal sempre exigente. De um lado da cesta saíam as chamuças com picante e do outro, para os mais comedidos em géneros alimentares, as chamuças sem picante, mas sempre muito condimentadas.
Ainda mal refeito da jornada do dia, mas com o desejo, estimulado pelas lembranças, de me defrontar com essas iguarias indianas, pus pés ao caminho e fui até ao bar do hotel, onde os meus anseios podiam ser saciados. As chamuças acabadas de cozinhar, estaladiças e com aquele sabor que tão bem as distingue, depressa conheceram a lei do mais forte.
Mas, como nem só da boca vive o homem, ainda fui contemplado com a actuação intimista de um duo de gente da terra, que soltava os ritmos musicais e a voz, com a autenticidade reconhecidamente africana.
Nos sofás que rodeavam outras mesas, tranquilamente, trocavam-se histórias, aqui e acolá interrompidas por um copo levado à boca, com esse néctar genuíno de cevada e lúpulo a que se apôs o rótulo de cerveja Laurentina.
Ninguém olhava para o relógio e tampouco dava sinais de evasão do momento. Era gente que sabiamente compreendia que cada espaço de tempo, por mais curto que fosse, só aconteceria uma vez. Aquela vez!
Que feitiço tem esta terra que faz com que cada momento de prazer seja levado paulatinamente até aos seus limites. Chega a parecer que nestas paragens de África os relógios só têm um ponteiro. O mais pequeno!
Por fim, e para encantar mais a noite, através da vidraça das portas que davam acesso à varanda do bar, descortinavam-se os contornos dessa bela obra que é a Sé Catedral, e que, do local onde me encontrava, tinha como fundo a Baía que banha a cidade.
Se há momentos em que gostaria de os congelar, para nunca os perder, este foi seguramente um deles.

Aurélio Terra