Num dia destes senti-me por algum
tempo, num desafio à reflexão quiçá tocado pela nostalgia, obrigado a exercitar a memória numa espécie de
viagem a belos momentos que passo a evocar, tocado por uma levitação em que
cada pormenor se encaixa como num puzzle. É por essa visão que eu caminho em
direção à Escola Técnica Elementar Major Joaquim Araújo(hoje Escola Secundária
Estrela Vermelha)e por diversas razões. Primeiramente porque aquele
estabelecimento escolar, se situava a pouco mais de uma centena de metros da
casa onde habitava. Dada a aproximação, sentia o soar das campainhas como algo
familiar. Fui crescendo, como foi ganhando visibilidade a imponente construção,
talvez das mais ousadas do parque escolar do espaço português. Foi inaugurada
com pompa e circunstância no longínquo ano de 1963, com a implantação de um
moderno padrão de arquitetura que assentava no chamado Movimento Moderno
Internacional, baseado na conjugação de fatores climáticos. Recordo que para
levar a efeito a gigantesca obra, foi necessário interromper a Av. 31 de
Janeiro( hoje Agostinho Neto) terminando por ali a citada artéria e veio a
ocupar o espaço da Albergaria Municipal, lugar que servia de garagem para as viaturas
municipais de recolha de resíduos sólidos e ambientais , como também foi
eliminado o velhinho campo de futebol do Grupo Desportivo 1º de Maio, onde pela
mão do meu saudoso pai ia assistir aos jogos do campeonato distrital e outros
desafios. O portão principal com o distintivo da escola, localizava-se na Av.
J. Serrão (hoje Emídia Daúde), mesmo
defronte do edifício da Sociedade Protetora dos Animais. Era ladeada pela Av.
Luciano Cordeiro(hoje Albert Luthuli)e pela Av. General Machado (hoje Guerra
Popular) e terminava na Av. Gomes de Freire( Paulo Samuel Kankhomba). O outro
portão aberto, durante as horas úteis , servia o parque de estacionamento
destinado ao corpo docente e funcionários. Mesmo em frente, lá estava o hangar
dos machimbombos municipais. A localização da Escola tinha como base servir a
grande área suburbana da cidade, resultando desse fator a frequência de
milhares de alunos de todos os extratos sociais, acabados de concluir a antiga
quarta classe. Nenhum aluno do sexo masculino poderia entrar para o interior da
escola sem envergar à entrada um blusão azul ,exigindo-se às alunas o uso da caraterística bata branca. Uma medida que
visava de alguma forma, minorar qualquer referência social que pudesse ser
descortinada no uso de vestuário, situação prevista no regulamento interno da
escola. Logo à entrada , um pequeno gabinete onde pontificava à porta o Senhor
Marques, chefe dos contínuos e sempre observante das
traquinices própria da nossa irreverência. Quando ultrapassava-mos as
marcas, lá vinha o tradicional carolo tarimbado pelos seus dedos espessos. Ao
lado um pequeno posto de enfermagem, destinado à visitadora a quem cabia a
vigilância de problemas de saúde da população escolar. Contiguamente o gabinete
do diretor, sala dos professores, a secretaria e creio as instalações da
biblioteca, onde fazíamos fila para requisitar os livros de aventuras da
escritora Enid Blyton. Intercalado entre os pavilhões à esquerda e direita,
constituídos por edifícios de três pisos com largos varandins , estendia-se um
longo passadiço coberto que findava junto às oficinas de trabalhos manuais e o
bar-refeitório, sempre apinhado no intervalo do lanche matinal. Esse largo
corredor era uma espécie de passerelle , por onde circulavam nos intervalos,
grupinhos de rapazes e raparigas trocando olhares matreiros. Descendo os
últimos degraus, deparavam-se as salas de desenho e antes de se direcionar para
a zona dos ginásios e balneários, o moderno auditório em anfiteatro para as
aulas de canto coral, onde subíamos os seus degraus entoando as notas musicais.
Havia depois um escadario mais acentuado em direção ao parque desportivo. Mas
se bem se lembram alguns, existia entre os ginásios e o auditório um grande
largo alcatroado, onde às sextas feiras à noite , eram projetados ao ar livre,
filmes para os alunos e seus familiares. As mais de cem cadeiras ali expostas,
esgotavam-se rapidamente, assistindo ainda muitos de pé ao desenrolar da
película. O patamar inferior da escola era reservado na totalidade para a
prática desportiva. Para além das pistas de atletismo, havia rinques e num
deles chegou-se a jogar hóquei em patins. A sua bela piscina, onde eu e os meus
irmão aprendemos a nadar, nas férias escolares, dado que havia por parte do
conselho diretivo, abertura para comunidade mais jovem aproveitar da melhor
forma, o tempo de descanso. O recinto para a prática do basquetebol( hoje muito
degradado tal como a escola) traz-me à lembrança as muitas partidas disputadas
quase em catadupa, pela malta do bairro e arredores, que nos interregnos dos
períodos escolares, começavam pela manhã, prosseguiam à tarde e só findavam nos
limite das forças. Como uma bola fazia a felicidade de todos. Abstraindo-me
agora da zona desportiva, subo novamente o escadario e revejo-me como se fosse
hoje, no espaço dos pavilhões (oficinas) de trabalhos manuais. Para além da
aprendizagem de várias disciplinas, era ali que começávamos a crescer
paulatinamente para as artes. Aprendíamos o bom manuseamento das ferramentas de
trabalho e, executávamos belos trabalhos em madeira, ferro, cartão e arame,
dando expressão à criatividade que brotava do interior de cada um de nós. Quase
todos fizemos com especial carinho, o livrinho de autógrafos ainda hoje
guardados religiosamente em qualquer baú, assinados por colegas, professores e
namoradas do nosso imaginário. Ainda me lembro da minha velhinha serra de
rodear, utilizada para trabalhos em
contraplacados e que tínhamos de levar de casa. Frontalmente às oficinas
,ali estava recolocada uma árvore frondosa, circundada por uma proteção em
forma de manilha, recuperada da artéria que foi necessária encerrar. Ao fundo
um coberto, onde nos intervalos jogávamos ao lenço e a grande área térrea, onde
era comum jogar ao berlinde, caraterizada pelas inúmeras rubras acácias que
contrastavam na perfeição, com o vermelho das folhas das plantas hibísceas entrelaçadas pelos os arames, que serviam de
vedação para o passeio público. Concluída esta passagem por salas e corredores,
para trás ficaram momentos muito especiais a marcarem a nossa transição
escolar, para o ensino comercial e industrial. Apesar do pouco tempo que
fui discípulo da Joaquim de Araújo e, que te tive como vizinha amiga e
companheira, jamais esquecerei que um dia fizeste parte da minha vida.
Manuel Terra
Manuel Terra
Entre-linhas, eram varias as figuras de forte caris, destaco o professor de matemática homem para aí dos seus cento e poucos kg, coronel reformado do exercito e de ciências o saudoso professor Béla Guttmann (como era conhecido) a Moral e Religião o padre "Havana" assim conhecido pelo numero de cigarros da mesma marca que fumava atrás uns dos outros. e outros mais. O "bombeiro" nas horas vagas, fazia a segurança do cinema Manuel Rodrigues, era o grande Senhor Marques, de quem se esperava calduço, "baixa a cachaça" quando nos portavamos mal. Obrigado pelo bonito relato, um abraço
ResponderEliminarCaros: Também fui aluno da escola penso que de 1966 a 1968. Escrevi há tempos e revi agora isso em:
ResponderEliminarhttp://housesofmaputo.blogspot.lu/2015/10/escola-joaquim-araujo-actual-escola_25.html?
dividindo em 4 mensagens.
Aproveitei agora a vossa referência ao local pois era uma dívida que tinha. Eu falo mais dos edifícios mas também me lembro do livro de autógrafos, o jogo no meu tempo era o "aí vai alho". Do resto fiz com uns colegas umas listas de profs de que retiro que os padres eram o Lobo e o Gaspar mas agora não me lembro qual era o novo (roupa clara) e o velho (preta) de óculos que devia ser o que fumava. Cumprimentos.