sexta-feira, 18 de maio de 2018

A Vila da Moamba





Continuando a palmilhar os trilhos do passado, a bussola das recordações indica-me mais um destino, que faz parte das minhas memórias. Reporta-se à simpática Vila da Moamba, por onde passei por várias vezes a caminho do Sábie. A Vila da Moamba, elevada a cidade em 1964, situava-se à cerca de 70 Quilómetros da capital moçambicana. A beleza e encanto dos seus lugares, convidavam os visitantes a observarem o que de bom a natureza dotou aquela terra, tornando-a um pequeno oásis para os seus habitantes. Habitualmente chegava à Moamba, quando os raios de sol avermelhavam o horizonte daquele imenso povoado, anunciando a manhã que crescia devagar, com as rotinas de sempre. Uma terra de referência, com vastíssimas áreas de cultivo onde predominava a qualidade dos produtos frutícolas e hortícolas, para além de grandes extensões de pasto, onde os criadores de gado apostavam nas mais diversas espécies. A Vila da Moamba era uma verdadeira princesa, bafejada pelos amores do Rio Incomáti, que nascendo em território sul-africano, desaguava com ligeireza no Oceano Índico, mas que se curvava com toda a cortesia a cada recanto, fertilizando o seu solo. O povo que tanto amava a terra, tirava daí o sustento das suas famílias. O casamento do rio Incomáti, com a terra era por mais evidente, tornando-a produtiva de forma que tudo o que se colhia, tinha escoamento para os mercados de LM. Ao longe espreitavam-se as suas longas artérias, desbravadas da sequidão do mato, onde a brita tapava por algum tempo aquela terra vermelha compacta. O progresso da Moamba ganhava maior visibilidade, dado o ritmo como crescia. No virar de cada esquina havia quase sempre uma cantina, onde se compravam produtos alimentares, roupas, ferragens, artigos de higiene e até umas embalagens de mercurocromo ou umas caixas de Aspro. As ruas a quem árvores generosas faziam companhia, iam sofrendo transformações, construindo-se progressivamente habitações térreas com quintal, onde mangueiras, bananeiras e papaeiras refletiam a tropicalidade do solo. Edifícios da Administração Pública, armazéns, oficinas de carpintaria, serralharia e de mecânica geral, explicavam a diversidade funcional dos seus residentes. Percorrendo-as, facilmente se percebia que o progresso era alavancado pela dinâmica dos seus residentes, que amavam a terra e apostavam no futuro. Algumas das suas instituições eram a prova disso e, quem entrava pela sua avenida Central, via a escola primária linda e bem cuidada, onde os mais pequenos aprendiam as primeiras letras. Ainda na área do ensino, a reputada Escola de Artes e Ofícios, onde os adolescentes encontravam espaço para a aprendizagem de vários cursos técnicos e que desde a década 30 do século passado, foi formando operários que frequentaram suas oficinas. Tive conhecimento que a escola foi quase destruída no período após independência, mas que felizmente foi reabilitada, sendo entregue em 1993 a administração à Sociedade Salesiana, que dada a matriz agrícola da Moamba, introduziu em boa hora a área de agropecuária. No capítulo religioso, a mesma organização religiosa assumia a responsabilidade da vistosa Igreja Paroquial de S. João de Brito e da Missão, onde eram prestados cuidados primários à população e o ensino da catequese. Quantos laurentinos não se lembrarão ainda de ao domingo rumarem até à Moamba, para irem almoçar ao Restaurante Barbosa? Sim, aquele espaço de restauração sempre bem preenchido, que se distinguia pela forma abundante como servia vários pratos, sem um custo elevado. Conhecido na capital, numa linguagem popular sem sentido pejorativo, como o “farta-brutos”, ganhou fama por sossegadamente se comer e beber bem. Dizia-se entre círculos de amigos, que quem tivesse estômago para o repasto, a despesa ficaria por conta da casa. Mas se a água era a bênção para a fertilidade das terras na Moamba, não é menos verdade que o ponto originário donde se estabeleceu a vida comercial do então pequeno aglomerado, se ficou a dever à chegada do comboio na primeira década do século XX, que ligava a capital à Moamba com seguimento para o posto transfronteiriço de Ressano Garcia, dotado de um grande terminal. Por ali passaram milhares de mineiros moçambicanos, com destino às minas da vizinha África do Sul à busca do “El Dorado” esperando que o rand os ajudasse a construir a fortaleza dos seus sonhos. A ampla estação ferroviária da Moamba, obra marcante com um projeto ambicioso para época, continua muito bem conservada como que desafiando o tempo, mostrando-se tão jovem quanto há mais de um século, o silvar do apito do revolucionário meio de transporte anunciava a chegada do progresso àquela promissora terra, tornando-se para sempre um lugar de memórias, com muitas histórias e vivência de toda a região. Da Moamba ainda foi criada a linha para servir Xinavane, a terra açucareira, estando hoje a via infelizmente desativada. A Moamba era sem dúvida, uma terra promissora que se deixava envolver pelo labor da sua gente, a que só a mansidão da noite silenciosa, estabelecia a pausa entre o trabalho e o descanso.  

Manuel Terra