À medida que o tempo vai avançado de forma implacável e, os cabelos brancos se vão acentuando, mais saudosos nos tornamos do tempo que já não volta, do qual guardamos recordações irradiantes de uma época, de onde ficou um pouco de todos nós. É um passado tão rico de vivência, que as recordações emergem a todo o momento. A evocação de hoje vai para a Praça Mac Mahon (atualmente Praça dos Trabalhadores). Que saudades do remoto ano de 1958, quando aportei à antiga Lourenço Marques, na companhia da minha mãe, irmão e demais familiares. No Cais Gorjão esperávamo-nos o meu saudoso pai, que para lá embarcara dois anos antes. Foi em festa (como sempre acontecia) que o paquete Angola foi acolhido. Depois do desejado reencontro, foi tempo de se recolherem as bagagens e palmilhar pela zona portuária ,até ao amplo portão de ferro e pisar o asfalto da Terra Prometida . Lá estava como que nos abraçando, a Praça Mac Mahon, outrora Praça Azeredo quando no início do século XX se edificou sobre um terreno pantanoso de poeira avermelhada, que a mão do homem soube transformar, na altura em que se esboçava o plano de urbanização e expansão da cidade. Era efetivamente a praça mais emblemática da cidade, embelezada pela sua estação dos caminhos de ferro de traça invejável inaugurada em 1916, um monumento de excêntrica conceção constituído pela sua fachada ornamentada com uma cúpula bem trabalhada em cobre, mas que o verdete lhe emprestava uma cor esverdeada, nada despropositada. Dois blocos simétricos de dois pisos, completavam-na . Uma obra prima da criatividade do arquiteto português Alfredo Lima que trabalhou em equipa com Mário Veiga e Ferreira da Costa e, que por vezes erradamente alguém atribui a Gustave Eiffel. Cem anos depois, a justa consagração como a mais bela estação do continente africano, segundo o critério da conceituada revista norte americana Newsweek, que também a definiu como a sétima mais bonita do mundo. Das suas várias gares partiam composições para a Suazilândia, África do Sul e Rodésia (hoje Zimbabwe) as chamadas linhas internacionais e para Goba, Ressano Garcia e Limpopo das linhas internas. Em exposição encontravam-se duas velhinhas locomotivas a vapor e, segundo o que me dizia um velho amigo, por lá esteve uma locomotiva que circulou no Norte, concretamente uma Michelin, que tinha a particularidade de ser equipada com pneus de borracha de aderência aos carris. A Praça Mac Mahon era também o términus das várias carreiras dos machimbombos municipais, que demandavam à Baixa. Bem no centro da praça, situava-se a estátua de homenagem aos mortos da Iª Grande Guerra, militares que enviados da Metrópole integrados no Corpo Expedicionário a que se aliaram moçambicanos , tombaram em combate em várias batalhas no Norte, travando as arremetidas das tropas alemãs. Em 1935 era inaugurada o monumento com cerca de 16 metros de altura, esculpido em pedra cábris( provavelmente embarcada em Lisboa) onde na parte superior estava representada uma mulher, que tinha a seus pés uma longa serpente. Histórias havias muitas, mas que no fundo se centravam à volta de uma heroína , que teria afogado o réptil numa panela de água a ferver contendo papas e , que aterrorizava a população residente no pantanal. Na parte inferior, estavam localizados os painéis alusivos a quatro batalhas travadas no norte de Moçambique, onde soldados brancos e negros lutaram destemidamente contra os invasores. A base da estátua fechava em forma de círculo. A Praça Mac Mahon estava interligada com a histórica Praça 7 de Março (hoje 25 de Junho) por três vias de acesso, bem conhecidas dos laurentinos. A Consigleri Pedroso (hoje Rua da Revolução), que tinha logo nas esquinas viradas para praça dois prédios concebidos pelo traço do grande arquiteto Miranda (Pancho) Guedes, que deixou obra em Moçambique e nos países vizinhos, homem intérprete da arquitetura moderna, com grande liberdade criativa que projetou o prédio que conheceu duas ampliações, com esquina também para a Av. General Machado (hoje Av. Guerra Popular-que liga a Baixa à Alta)de forma fascinante. As suas varandas rendilhadas e a parede lateral trabalhada com pequenas pedras brilhantes( provavelmente seixos polidos ) a configurarem contrastes de um vasto relevo, que inspiram motivos gráficos africanizados , quiçá influenciado pelos seus dotes para as artes plásticas. Uma autêntica obra de arte , a que o betão deu beleza. Ainda me lembro do outro ousado prédio, construído na outra esquina nos meados da década 60, em que foi necessário durante algum tempo drenar a água salgada, para iniciar a sua construção. Muitos eram os curiosos de ocasião, que observavam à distância o trabalho do potente bate estacas, que parecia estremecer tudo em redor. A Consigleri Pedroso caraterizava-se pelos seus blocos e lojas comerciais, muitas de traço colonial como os Armazéns Catoja & Saldanha, Papelaria Spanos e a Casa Fabião, a resistirem aos avanços do progresso que ia destruindo os vestígios do passado e que só agora velhas fotografias, ajudam a perceber o que ela foi nos primórdios do século XX. A Av. 18 de Maio(Hoje Mártires de Inhaminga) era em toda a sua extensão, uma plataforma da atividade portuária, com largos armazéns pertencentes a agentes marítimos .A faixa encostada à vedação do porto era reservada à praça de camiões de aluguer, contratados para carregarem mercadoria retirada pelos guindastes. A rua mais célebre era a Rua Araújo(hoje Rua de Bagamoyo) reflexo do que era a vida noturna de LM. Quando o sol se despedia e a noite já ia adiantada, a rua aclarava com os disparos dos néons que pareciam comandados pelo som das músicas que entoavam do interior dos cabarés, night clubes, dancings e bares americanos. Nos passeios fixavam-se placards anunciando as atrações da noite. Os noctívagos frequentadores, eram maioritariamente marujos de várias nacionalidades que ali afogavam a solidão de muitos dias de mar, mas também não faltavam os fascinados locais ,atraídos por cançonetistas, bailarinas e prostitutas. Nem só de boémia e entretenimento vivia esta artéria, porque durante o dia estavam abertos estabelecimentos comerciais, cinemas , instituições bancárias e lá despontava o velhinho Hotel Carlton, uma referência do passado. Quando o sol raiava, a animação terminava ; a Praça despertava com o movimento da chegada dos primeiros machimbombos apinhados até ao estribo, de estivadores que iam pegar no turno matinal no Cais Gorjão, vindos das zonas suburbanas da cidade. Depois o bulício aumentava à medida que se aproximava a abertura dos estabelecimentos comerciais, repartições públicas e escritórios, nomeadamente os dos despachantes oficiais, justificada pela proximidade ao porto marítimo. Era local de passagem obrigatória para muitos turistas vindos de fora, que não perdiam a oportunidade de captarem excelentes instantâneos, porque na verdade motivos não faltavam. A Praça Mac Mahon fez parte do meu quotidiano, tantas foram as vezes que a calcorreie . Recordo-me que aos fins de semana, depois de assistir à sessão da meia noite , no Cinema Dicca ou nos Estúdios 222, películas que terminavam já de madrugada, localizados na Travessa Varietá transversal à Rua Araújo, eu e um grupo de amigos concluíamos a noitada num espaço de restauração de referência sito na estação ferroviária, onde às três da manhã era possível comer um bitoque com bife de búfalo, carne importada da África do Sul e beberricar umas cervejas. Quem um dia conheceu a Praça Mac Mahon, um verdadeiro ponto de encontro de muitos laurentinos, jamais a esquecerá como um marco da história da cidade, por onde as suas gentes circulavam sem stress , entre o trabalho e o lazer.
Manuel Terra