Os relatos que me vão chegando, do popular mercado de Xipamanine, dão conta da situação caótica do próprio bairro, em que viver no seu interior é uma autêntica aventura e, com o seu bazar a rebentar pelas costuras. Os vendedores já não encontram espaço no recinto, tornando-se por tal cidadãos ambulantes, disputando os passeios e rotundas, dificultando o caminhar dos transeuntes e condicionando o trânsito rodoviário, provocando constantes engarrafamentos. Xipamanine é uma espécie de terra prometida, onde muitos vendedores chegam e poucos partem, numa espécie de luta pela sobrevivência. Os produtos mais diversos são colocados no chão, sobre mantas ou esteiras e estão sujeitos à chuva impiedosa ou ao calor abrasador, colocando a saúde pública em risco. Paro por momentos para refletir e, rumo ao caminho das recordações. Lembro-me perfeitamente do popular Mercado de Xipamanine, que tinha a particularidade de estar aberto ao domingo matinal, permitindo aos laurentinos a possibilidade de fazerem compras e levarem pescado fresco para o almoço. Foi edificado na década 30 e retenho a imagem de um complexo de área considerável, ladeado por um extensivo gradeamento e com a entrada principal virada para a artéria Irmãos Roby. No seu interior destacava-se as bancas para a venda do peixe, marisco e bivalves marcados pelos sabores do Índico, protegidas por uma cobertura conveniente à proteção dos postos de venda. Soltavam-se os pregões a anunciar preços de arromba e tudo acabadinho de pescar. Os compradores iam regateando e comprando. Havia depois três corredores, onde alinhavam as lojas de artesanato , louças , outros utensílios e venda de capulanas de encher o olho. Muitas bancas, onde se vendiam temperos, condimentos e especiarias indianas, num ambiente de cores, sabores e aromas que enriqueciam a sua gastronomia. Também não faltavam pequenas bancas de madeira, coberta por toldos já descoloridos pelo tempo, onde predominava a venda abundante de grande qualidade de frutos tropicais , como também toda a espécie de produtos hortícolas, acabados de chegar de madrugada nos autocarros do Sul do Save e dos Oliveiras, vindos das áreas limítrofes da cidade, que transportavam no seu tejadilho vasta mercadoria . Lá se viam as chamadas gaiolas, feitas com pequenas galhas e ramos , onde vinham as galinhas a cacarejar e os galos a anunciar o nascer do dia. Os galináceos tinham grande procura, porque eram alimentados só com produtos da terra e dai as famosas galinhas à cafreal, prato de referência em todos os estabelecimentos de restauração. Não faltava também a venda de peixe e camarão seco. Penso que havia um ou dois pequenos atelieres, onde alguns velhos alfaiates davam ao pedal, para confecionarem calças de terylene , ao gosto da população mais idosa . A fiscalização do mercado era da competência da edilidade da capital, que velava pela boa funcionalidade do mesmo. Quem aqui vinha fazer compras, jamais esquecerá o enorme labirinto à volta das bancas, de quem procurava comprar bem e em conta. Ir a Xipamanine , implicava necessariamente um passeio obrigatório ao mercado, onde nada faltava e a oferta era grande. Mas Xipamanine não era só o seu o seu mercado, mais do que isso um imenso bairro central, onde convergiam os bairros da Mafalala, Chamanculo, Jardim e do Aeroporto. Caso para dizer ,que todos os caminhos iam ter a Xipamanine. Frente ao mercado, um enorme espaço para estacionamento e manobras ,de cargas e descargas . Figuravam também dois prédios, estando num deles instalada uma casa de pasto, com vasta clientela. À frente eram visíveis as paragens dos machimbombos municipais da linha 7 e 19, respetivamente com trajetos para a Praça Mac-Mahon e Liceu Salazar (hoje Josina Machel). Ao fundo do mercado, distinguia-se um centro comercial, que agregava uma grande concentração de lojas, propriedade de comerciantes hindus , que vendiam tudo o que se relacionasse com vestuário e calçado. Exibiam nas montras, os famosos tecidos de Caxemira e as finas sedas de Macau. Os comerciantes eram talentosos na arte de vender, que ganhava maior ênfase com a paciência beneditina, apanágio de quem estava por trás do balcão. Os compradores davam-lhe luta e isso agradava-lhes porque o cliente haveria de ser aviado , beneficiando na compra de um pequeno desconto e muito vezes até de um brinde. Numa travessa junto a um muro lateral do mercado, encontrava-se o Cinema Olimpia, onde na década 70 passavam as grandes películas românticas originárias da India , com a sua música tradicional, obrigando a exibição dos filmes por norma a dois necessários intervalos. No final , quando as luzes da sala de espetáculo se acendiam, era ver a plateia feminina mais sensível, a enxugar as lágrimas, com os lenços tirados nervosamente das carteiras. Na verdade , o cinema Olimpia fez história e os seus filmes furor. À volta do mercado, também não faltava a escola primária , frequentada por centenas de alunos, um posto médico municipal que assistia as populações de Xipamanine e outras áreas. Na traseira do mercado, lá se achava o velhinho campo de futebol, onde muitas estrelas do pontapé na bola que viajaram para Portugal Continental , oriundas da antiga LM, mostravam o seu talento em jogos entre amigos ou clubes populares de bairros. Nos primórdios da década 70, era lá que treinava o Nova Aliança, equipa que dava nas vistas no campeonato distrital. Hoje ao que me dizem o recinto foi ocupado por vendedores ambulantes, que disputam a palmo o terreno. Recordo com nostalgia as inúmeras vezes que me desloquei até Xipamanine , transitando desde o emblemático Largo José Albasini(hoje Praça 21 de Outubro), para a Rua dos Irmãos Roby, vasta artéria asfaltada, já na época com infinito trânsito nas horas de ponta, que terminava junto ao popular bazar . Direi que Xipamanine e o seu mercado eram faces da mesma moeda e, hoje tão longe no tempo e na distância, jamais se apagará do meu imaginário, a simplicidade , o sorriso e os olhos risonhos, estampados nos rosto dos seus vendedores e dos habitantes da grande urbe suburbana . Afinal Xipamanine era o tal grande dormitório da cidade, onde o entardecer era tardio e o amanhecer, cedo de mais.
Manuel Terra