Vasculhando há alguns dias jornais moçambicanos, deparei-me com a desagradável noticia da atual situação porque passa a antiga praça de Touros, a Monumental completamente virada de costas para o passado, onde a sua traça circundante e as letras que já vão faltando no topo da porta da entrada, são um símbolo de um tempo áureo que já passou. Atualmente é o centro de muitas lojas informais e oficinas de reparações de automóveis, jorrando pelos terrenos envolventes os óleos dos carros e outros detritos, provocando o amontoado de lixo um cheiro nauseabundo, dado o excesso de vendedores ambulantes pouco apoquentados por questões ambientais. Despeço-me por momentos do presente e acerto a ligação com as memórias. Lembro-me como se fosse hoje, como era a Praça Monumental na década 60 construída contiguamente à Av. General Craveiro Lopes (hoje Av. dos Acordos de Lusaka) e muito próximo do Bairro da Malhangalene, em lugar privilegiado e com parque de estacionamento térreo. Muito pela presença dos portugueses, a festa brava foi ganhando tradição em LM e as faenas iam-se realizando no período do Ano Novo, Páscoa e comemorações do dia da cidade. Quem ajudava a encher a Monumental em dia de afición , eram os milhares de turistas sul-africanos e rodesianos; muitos deles a gozarem férias não perdiam a oportunidade e era vê-los nas bancadas com as suas balalaicas brancas e chapéus de sol, munidos de potentes máquinas fotográficas, para colherem instantâneos guardados para a posteridade . Recordo ainda como garoto e levado pela mão do meu saudoso pai, a minha ida à Praça de Touros para assistir a um dos maiores espetáculos de touros até então realizados na capital moçambicana e, que tinha como protagonistas a fina flor da arte tauromatica portuguesa, nada menos do que Manuel dos Santos e Diamantino Viseu num mano a mano empolgante, que entusiasmava e fomentava paixões entre os aficionados , partidários de um ou do outro, artistas que envergando os seus trajes de luces puxavam pelo o público e a cada faena, faziam levantar os entusiastas que não regateavam fortes aplausos aos momentos mais arrojados na arena. As pegas ficavam a cargo do Grupo de Forcados de Xinavane. Pela Praça de Touros Monumental passaram outros nomes sonantes da Festa Brava, lembrando Ribeiro Telles, Mestre Batista , José Júlio, Luís Veiga entre muitos outros famosos na época. Não sendo propriamente um simpatizante destas lides, desloquei-me várias vezes à Monumental para assistir as delirantes garraiadas, organizadas pelos estudantes universitários para angariação de fundos. Dada a sua considerável estrutura, foi feito o aproveitamento do espaço por baixos da bancadas, construindo-se lojas e um restaurante . Após o 25 de Abril de 1974, cessaram as touradas e na Monumental nasceu um mercado de venda de frutas e produtos hortícolas onde ainda tive a oportunidade de fazer algumas compras. Com os acontecimentos do 7 de Setembro foi saqueado e encerradas as portas da Monumental. Sendo prometido um projeto para requalificação da Monumental, até aos dias de hoje ainda não passou de uma intenção . Tempo para lembrar que foi naquela arena, em trabalhos de arranjos a proporcionar depois a entrada gratuita, que um menino negro repleto de sonhos e paixão pela arte de tourear , não passou despercebido ao empresário Alfredo Ovelha , que se apercebendo dos dotes do rapazote, depressa o enviou para a Metrópole e o recomendou a Manuel dos Santos. Esse menino chamava-se Ricardo Chibanga, o único negro matador de touros que eu conheci, a quem a destreza e valentia não passava despercebida aos aficionados, sendo em 68 num ambiente de apoteose levado aos ombros no Campo Pequeno. Para além de passear toda a sua classe e fama que correu o mundo, a Monumental da antiga Lourenço Marques teve o privilégio de o acolher numa atuação, como cabeça de cartaz. Sabendo de antemão que os povos africanos não têm uma cultura virada para a Tauromaquia, seria da mais elementar justiça que no futuro, aquele espaço fosse requalificado sem perder a sua preciosa traça e que o nome de Ricardo Chibanga fosse perpetuado, nos anais da História de Moçambique. O tempo da chamada já vai longo; desligo e no fim de linha ainda pareço ouvir os vibrante olés oriundos das bancadas superlotadas, agora substituídos pela azáfama e pregões dos vendedores que tudo anunciam ao preço da chuva. Mas eternamente haverá sempre sol-e- sombra , na Monumental da cidade das acácias.
Manuel Terra