Voltando ao persistente hábito das incursões aos tempos da minha mocidade, recheada de recordações que se perfilam como retratos fixados no álbum da vida, quase sempre esmiuçadas numa roda de amigos entre dois dedos de conversa. Os temas jamais se esgotam e, muito menos têm limites. A metáfora de hoje traz-me à memória as cervejas moçambicanas de excelente quilate, a projetarem a imagem da pérola do índico e que ajudaram a contar muitas histórias daqueles que lá nasceram ou um dia lá viveram . Ao ler os canais de informação lusófonos, rejubilei ao constatar que a empresa Cervejas de Moçambique, que detém os direitos produção da Laurentina e 2M está já a exportar para a África do Sul e Portugal, as cervejas do meu tempo. Mais antiga a Laurentina, em homenagem aos” laurentinos” também conhecidos como “cocacolas” assim eram chamados os naturais da antiga Lourenço Marques. Nos meados da década 60 surgiu no mercado a marca 2M, focando a histórica decisão do marechal Patrice Maurice, conde de Mac-Mahon, então presidente da república de França que em 1875 decidiu a favor de Portugal numa disputa com a Grã-Bretanha, relativamente à posse da região sul do território moçambicano. Havia ainda uma outra cerveja a Manica, de bom paladar produzida na cidade da Beira. A Laurentina era a mais afamada e, quem já não se lembra daquelas garrafas douradas por fora e de ouro por dentro, numa alusão ao bem conseguido spot publicitário de ocasião, radiofundido frequentemente pelo Rádio Clube local. Perdura no tempo o hábito nas muitas esplanadas de snack-bar e restaurantes , proporcionar aos seus frequentadores sempre que fosse pedida uma cerveja em garrafa ou em copo, o acompanhamento de um pequeno prato com camarões ou dobrada, amendoins torrados e tremoços ,de forma graciosa. A cerveja acompanhavam bem toda a gastronomia portuguesa, usada também como ingrediente na confeção de muitos pratos, mas na cozinha moçambicana e goesa funcionavam como uma espécie de pronto socorro para abafar o ardor do malandro piripiri. Bailam-me na mente a famosa galinha á cafreal no Piri-Piri e no Coimbra que não dispensavam o emborcar de uma cervejolas bem fresquinhas a escorrerem suavemente pela garganta, como também o acompanhamento aos bons combinados da Cristal e dos maravilhosos camarões da Marisqueira da Baixa e do Alto Maé, da Imperial, do Costa do Sol, Ponto Final, Marisol (na Catembe) e de outros pontos de referência da restauração da capital. Não me poderia esquecer jamais da célebre Cervejaria Nacional (propriedade das Cervejas Reunidas) localizada na antiga avenida Paiva Manso(hoje Filipe Magaya) lugar de confraternização de muitos adolescentes, especialmente em dias de aniversário, onde os jovens apostavam no bitoque da casa , prato servido de forma abastada e confecionado a bom gosto .Era frequente neste espaço, os mais espigadotes trocarem os refrigerantes por umas geladinhas Laurentinas, numa atitude de afirmação ao estado adulto. De facto a Laurentina apostava forte na estratégia do marketing, estabelecendo uma relação de paixão entre a marca e o consumidor . Afinal beber uma cerveja ou um copo foi sempre um bom argumento para juntar à mesa, familiares, colegas e amigos. A sua excêntrica qualidade também não escapava aos milhares de turistas sul-africanos, que de férias na época balnear a consumiam por vezes com alguma exuberância no parque de Campismo, contíguo ao Restaurante e Snack Bar Miramar junto à praia com o mesmo nome. A exibição do seu logótipo era constante em muitos reclamos de estabelecimentos de restauração, parques desportivos e pinturas laterias nos prédios altos da antiga LM. Quem não se lembra das tardes dançantes de bairros e clubes, patrocinadas pela cervejeira moçambicana? Também não esqueço as visitas de estudo da malta da Escola Industrial à Fabrica de Cervejas Reunidas, localizada na Baixa na Av. da República(hoje 25 de Setembro) no cruzamento com a General Machado( hoje Guerra Popular)que nos proporcionava no final, a desejada passagem pelo refeitório. Éramo-nos servidas sandes de carne assada e churrasco e dos tanques para as canecas, jorrava cerveja efervescente que fazia as delícias de todos. Cá fora ainda se sentia o cheiro forte da cevada, expelida da zona de moagem. Lembro-me também do Senhor Melo da administração da FCR, a quem recorríamos nas vésperas de eventos desportivos de bairro, para oferta de camisolas de manga curta (era assim que se dizia na época) com o design da Laurentina, tonalizadas quase sempre de cor amarela. Seria injusto também não referir as visitas, em minibus da própria empresa à fabrica concorrente, a 2M erguida na Estrada do Influene com modernas instalações. Depois de tudo visionado e recolhidos os apontamentos, abriam-se as portas do refeitório e lá estavam também as sandes de carne assada e frango de churrasco à espera da rapaziada, que aconchegando o estômago e saciando a sede, dava de seguida largas à sua alegria. Era a expressão comum da juventude, na plenitude da sua sã irreverência. O correr dos anos não nos pode separar do passado e agora só me resta passar pelas prateleiras de uma grande superfície comercial, para o desejado ponto de encontro com a cerveja Laurentina em todas as suas versões ou a 2M e, desfrutar do belo paladar das cervejas daquela amada terra africana. Certamente que recordações não faltarão
Manuel Terrra