sábado, 24 de agosto de 2013

Cais Gorjão




Neste imenso caudal de recordações, predomina sempre a propensa teimosia de se reviver tempos passados, que nos parecem levar ao ponto de partida como se tudo permanecesse tal e qual o vivemos. Aeroportos e portos marítimos estão para sempre ligados, à corrente da expetativa por expressarem o fascínio da descoberta de mundos imaginados em sonho. A recente noticia do início dos trabalhos da construção da ponte metálica entre o Lingamo, junto a zona portuária  e a outra margem do estuário da Baia do Espirito Santo, que fará  da Vila da Catembe  o futuro dormitório da capital moçambicana, levou-me logo ao imenso Cais Gorjão equipado com potentes guindastes, lembrando robôs de braços gigantes a abraçarem a teia das cargas e descargas geradoras de grande bulício no porto marítimo. Recriavam sempre ambientes de grande festa a chegada dos navios de passageiros procedentes da longínqua Metrópole , apinhados de gente à procura de novas aventuras e oportunidades. Meu pai embarcou  em 1956 para a então Lourenço Marques a bordo do Pátria procurando estruturar o seu modo de vida e  em 1958, a minha mãe, eu o meu irmão Aurélio e mais alguns familiares zarpamos de Âlcantra-Mar no bojo do Angola, para o reencontro com a família já em Moçambique. Depois de cerca de vinte dias salpicados pelo Atlântico, sentimos à passagem da cidade do Cabo a turbulência das correntes marítimas do Índico, mas também o desejo de chegar a bom porto. Finalmente pronunciava-se terra à vista, a boa nova sublinhada pelos sons fortes emitidos pelo suar das buzinas do navio. Anunciada a atracagem, os passageiros iam-se debruçando sobre a amurada do navio tentando descortinar aqueles que os esperavam. Afloram-me à retina as centenas de serpentinas multicores  lançadas do cais para presentearem os que acabavam de chegar , em ambiente de festa e calorosa receção. O pisar o Cais Gorjão, foi o meu primeiro ato a marcar a identidade afetiva com aquela terra , gravado como um poema de vida sempre pronto a recitar. Ainda me lembro de uma quase peregrinação à ponte cais para os laurentinos verem (quiçá a única vez) a amarragem ao Cais Gorjão, ali juntos o Príncipe  Perfeito e o Infante D. Henrique, dois paquetes de luxo que à época distinguiam a nossa frota da marinha mercante, na então chamada linha colonial. Também me ocorre à ideia as boas pescarias na ponte de cais, onde eu , meu pai e irmão içava-mos da baía, belos exemplares de garoupas que gulosamente mordiam o anzol armadilhado com um pequeno camarão. Presença constante era a dos vendedores de artesanato africano, bastante procurado pelos marujos de várias nacionalidades, que demandavam ao porto de LM. Foi pois para o Cais Gorjão, que a corrente das marés da vida  me levou hoje e é seduzido pelo seu encanto que o deixo, lá longe tão distante mas tão próximo dos meus pensamentos.

Manuel Terra