Continuo a pensar piamente que as recordações, são eternamente fonte de energia que ilumina o subconsciente e que permitem ver à distância lugares encantáveis, que teimosamente resistem ao envelhecimento. Por momentos dou comigo a pensar na mais emblemática pastelaria, snack e salão de chá de Lourenço Marques; a Princesa por todos conhecida e que ficava no alargado espaço comercial do prédio sito no cruzamento da Av. 24 de Julho e a Princesa Patrícia(hoje Salvador Allende) e daí o nome numa clara homenagem à indigitada noiva de D. Manuel ll, que ainda no tempo da monarquia visitara LM. Ao lado ficava o palácio do presidente da edilidade e a um passo vislumbrava-se a imponente mansão dos velhos colonos, que contava com uma associação ligada à natação. Às cinco da tarde ainda o sol fazia transpirar os transeuntes e, já à sua esplanada decorada com correntes de ferro alinhadas em ligeira flecha a pilares de granito trabalhado, chegavam círculos de amigos de longa data que ali marcavam o ponto de encontro, para a habitual cavaqueira selada sempre com um aperto de mão pelos mais velhos e um olhar cúmplice ou um beijo intimo trocado pelos adolescentes. Reinava a boa disposição entre todos os rostos, que tinham pelos os empregados de mesa a estima que lhes era merecida. Por lá trabalhava o pai do famoso e único toureiro negro que se conhece, o moçambicano Ricardo Chibanga que se orgulhava dos feitos do seu filho nas principais arenas da Península Ibérica. Os clientes da bica eram logo presenteados com o copo de água para se afogar a cafeína, mas haviam os que não prescindiam dos seus apaladados pregos, acompanhados pelas boas marcas de cerveja e o grupo de senhoras conhecidas como madames do chá das cinco, que faziam questão de tomar a bebida exótica, naquele tempo servida em bule, acompanhado de torrada simples , croissant misto ou barrado pelo melhor jam (compota sul-africana). Os mais jovens quase sempre estudantes ,que circulavam pela artéria mais central da capital moçambicana, a 24 de Julho a caminho dos estabelecimentos escolares faziam um ligeiro compasso de espera na secção de confeitaria, observando a vitrina dos bolos e depois era vê-los puxar pela moeda de dois e quinhentos, resgatada em casa em prol de uma falsa compra de um caderno diário ou de uma esferográfica BIC(na moda) para saciar a gulosice definida entre uma nata bem recheada ou a volumosa bola de Berlim e até um avantajado palmier adoçado. A Princesa tinha também o seu salão onde eram servidos bitoques bem condimentados e alguns combinados. Aos domingos já era da praxe, a fila de automóveis que alinhavam junto à pastelaria para levarem a tradicional caixinha de bolos sortidos para o lanche da tarde. Também eu muitas vezes depois do trabalho, me deixava arrastar pelo sentido do desejo até aquele espaço urbano e acolhedor, onde todos eram benvindos para tomar o café aromático ou deleitados lanches. Hoje nas minhas memórias de vida ainda pareço ouvir o borburinho incessante do cruzamento das palavras, do arrastar das cadeiras e de risos cúmplices dos seus frequentadores, que me lembram o fulgor da Princesa que marcou um tempo ao qual a evocação dará mais ênfase à sua existência.
Manuel Terra