quinta-feira, 24 de março de 2011

Bairro da Malhangalene





Amiúdas vezes, acabo por não resistir à ideia de abrir a janela do tempo vivido naquela cidade de culturas distintas, orgulho de quem lá nasceu ou um dia lá viveu.  A antiga Lourenço Marques deixou-nos testemunhos que têm muito a dizer e que ajudam a explicar o entusiasmo como muita gente a retratava. É bem verdade que nem só de cimento se construiu aquela imensa terra africana, que enquadrava no progresso e desenvolvimento a dinâmica e coragem dos seus habitantes. Daí o fascínio constante de uma paixão eterna que ninguém ousa interromper, pela forma intensa como aprendeu a amá-la. São estes sentimentos que nos tocam e que nos fazem relembrar fatos e lugares, que nos ficaram na retina. A sedução leva-me ao tempo da minha infância, quando petiz fui matriculado na Escola João Belo (hoje Filipe Samuel Magaia) maioritariamente frequentada por alunos oriundos do Bairro da Malhangalene, que aprendi  a admirar a mística dos seus moradores que dispersos por largos, ruas e travessas (Ostentavam o nome de regiões e cidades da Metrópole)  eram o exemplo do mais singelo bairrismo que presenciei, em que vizinhos  e amigos se uniam para tudo sequiosos de serem os melhores.  Bairro  caraterizado pelo sua malha urbanística  que raramente contemplava  prédios com mais de 3 andares e engalanada de imensas moradias contíguas , marginadas de lindos quintais e construídas a bom gosto. A zona começava por bem dizer no cruzamento da Av. Manuel de Arriaga (hoje Av. Karl Marx) com a Av. Caldas Xavier (hoje Av. Marien Ngouabi ) junto ao Cordeiro, uma famosa casa de pasto que servia água de Lisboa (nome que os africanos, por humor davam ao vinho) nétar sempre acompanhado por bons petiscos. Não muito distante, localizava-se as instalações do Grupo Desportivo da Malhangalene (hoje Clube Desportivo Estrela Vermelha, infelizmente em processo de insolvíção) filial do F.C do Porto, fundado  por gente simples e humilde sempre pronta a contribuir para a agremiação que prestigiou o desporto moçambicano. Possuía um excelente pavilhão coberto, campo polivalente ao ar livre e o campo de Futebol.  Lembro-me do saudoso Adrião, pai do Fernando e do José Adrião que carinhosamente ensinava à miudagem os segredos da modalidade, da grande equipa de Basquetebol do G.D.M por sinal  venceu  o Campeonato Nacional em 1974. Quem já não se recorda  do Senhor Teixeira, apaniguado dos sete costados que gritava a plenos pulmões o nome do “ Malhanga “. Um verdadeiro ninho de grandes hoquistas e basquetebolistas, que se tornaram vedetas além-fronteiras. Ficou célebre também a Copa Malhanga, em futebol de salão, os torneios internacionais de Luta-livre que contagiavam as bancadas e as tardes dançantes que fizeram furor na época, onde as melodias em voga animavam a juventude efusiva e romântica da  minha geração.  O bairro esboçava-se até vasto espaço da Av. Augusto Castilho (hoje Av. Vladimir  Lénine) e já próximo da Av. Massano de Amorim (hoje Av. Karl Marx) pontificava a Igreja Nossa Senhora das Vitórias de perfil arquitetónico distinto a que os moradores demonstravam grande devoção. Recordo-me muito bem da antiga igreja que se situava na Rua Heróis de Marracuene (hoje Rua da Resistência) junto a um pequeno jardim, onde terminava o percurso do machimbombo da linha 16. São estas belas imagens que me emergem ao pensamento, numa reverente invasão de recordações que marcaram um tempo.

Manuel Terra