domingo, 28 de abril de 2013

O Clube Naval



Soube recentemente que o Clube Naval, a instituição desportiva mais antiga registada em Moçambique comemorou a bonita idade de 100 anos, belo como sempre a deixar para trás um longo caminho marcado por atividades náuticas. Foi precisamente no longínquo ano de 1913, que nasceu o Grémio Náutico fundido em 1938 no Clube Naval, agremiação   que fomentou a vela, remo, motonáutica ,pesca desportiva ,caça submarina, mais tarde a natação e ainda uma secção de ténis. A sua sede localizava-se na ala mais alargada da marginal já a confinar com a rotunda luminosa, abraçando fraternamente a Baía do Espírito Santo e era considerada pela  sua ousada construção clássica, marcada por um conjunto de arcos contínuos ao longo do seu extenso varandim, servido por escadas já polidas pelo calcorrear dos frequentadores, um espaço a visitar.  A tonalidade branca do seu edifício acasalava na perfeição entre a harmonia magnífica de um sol dourado  e as ondas borbulhantes que batiam em seu redor. Em anexo foi construído o porto de abrigo, que servia inúmeras embarcações de recreio que demandavam à antiga Lourenço Marques e, onde se procediam a pequenas reparações e cuidados de manutenção.  De lá partiam pequenos barcos de recreio , transportando desportistas para a pesca desportiva e caça submarina, que quando em competição obtinham excelentes resultados, provando o talento dos seus atletas a contrastar com as espécies de grande envergadura então capturadas. Quem já não se recorda das célebres regatas entre a capital moçambicana e Durban, em que destemidas tripulações tentavam tirar o maior proveito da expressão do vento e do mar do Índico , procurando chegar a bom porto e bem classificadas? Agradáveis de seguir eram as provas de remo em que participavam atletas da outra coletividade, o Clube Marítimo de Desportos e o núcleo da Mocidade Portuguesa , nos percursos estabelecidos até aos areais da Catembe. Empolgantes  as corridas de motonáutica,  marcadas por modelos acabados de saírem dos mercados, autênticas  máquinas flutuantes e voadoras, equipadas com motores potentes que sulcavam  as águas da baía, entre o Clube Naval e o Pavilhão Oceânia, comandados por pilotos de várias nacionalidades que pareciam estrondar a atmosfera circundante ante o gáudio dos laurentinos dispostos em grande número na proteção da muralha, a extravasarem  entusiasmo contagiante. Na verdade naquela terra , cada acontecimento era vivido com uma paixão jubilante. Entaladas entre a sede e porto de abrigo, situavam-se as duas piscinas inauguradas já em 1974, destinadas aos sócios que ali passavam momentos de ócio, mergulhando e dando umas braçadas, em águas bem tratadas a espelharem os raios solares com intensidade, quase como  catalisadores de alta temperatura. Já depois da Revolução de Abril proliferaram por LM, por várias associações e clubes desportivos a  febre das sessões de bingo de frequência quase quotidiana e, acabei muitas vezes por me deslocar ao Clube Naval, onde no seu salão, tentava o prémio sortudo em jogo. Enquanto sorvia um café no bar, em jeito de compasso de espera pelo início do girar das bolas saltitantes, pude observar a magnificência do edifício ainda hoje considerado como ex-libris da cidade das acácias. É a navegar no mar da saudade que regresso ao presente, mas a olhar sempre para a costa para não perder de vista o centenário Clube Naval.

Manuel Terra

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A Vila de Marracuene




Os sentimentos de saudade que nos acompanham no desenrolar dos dias, são substancialmente testemunhos de um ciclo de vida que não se esquece, sonhos  imaginários, emoções vividas intensamente , com a partilha da amizade por parte de famílias, colegas e amigos , que davam uma expressão alegre aos convívios de então. O espelho das minhas recordações , reflete imagens da bonita vila de Marracuene a quem muitos chamavam Vila Luísa, mas que nunca perdeu o berço quiçá por razões históricas e , por tal Marracuene foi o nome que se eternizou na memória de todos quanto a visitaram. Quem já não se recorda daqueles passeios dominicais, até à bela terra beijada pelo Rio Incomáti e que distava a trinta quilómetros da então Lourenço Marques? Transporta a zona do Bairro do Jardim, era a EN1 que nos conduzia ao destino romântico de beleza contagiante, onde cada cenário era merecedor da tela e caixilho, como que a exigir exposição perpétua na melhor galeria de arte. Da sua muralha privilegiada podia-se observar o Rio Incomáti de extenso caudal, habitat natural de hipopótamos e crocodilos, serpentear o extenso vale que se perdia no horizonte e que tinha acolhimento em terras de Xinavane, fertilizando o seu solo. Do pequeno cais partia o velho batelão , transportando turistas e automóveis de tração adequada que se dirigia para as dunas da Macaneta,  paraíso selvagem em que as areias finas se misturavam aos tons imaculados de um invejável azul marinho tingido pelas vagas do Índico. Junto à margem do rio confinado à vila, lá estava o apeadouro ferroviário que servia a linha entre a capital e a vila da Manhiça, célebre pelas suas plantações açucareiras. A velha locomotiva  de outrora, puxando pelas carruagens apinhadas de gente, com os seus  estridentes apitos de aproximação ao local pareciam estrondar a atmosfera tão diáfana, dispersando-se num adeus calmo rumo à próxima estação. A deslumbrância da vila histórica, contemplava as bem formatadas artérias impecavelmente limpas, ornamentadas de árvores tropicais com os troncos caiados, indispensáveis para proteger os seus habitantes do calor intenso, encantadoras para quem lá transitava. As horas passavam rápidas para os visitantes e, a exiguidade do tempo obrigava-os a acelerar o passo e depois da passagem quase obrigatória pelo  Pavilhão do Chá (hoje renovado) construído na década  trinta, que recebia muitos turistas sul africanos ávidos por passeios de barco e para não faltar animação, aos fins de semana os habituais alegres bailaricos onde imperava a arte de bem dançar . Ninguém se retirava da vila, sem olhar com atenção por alguns instantes a majestosa residência do administrador, edifício de invejável traça arquitetónica , deixando antever o esmerado gosto de quem o projetou. Continuando a circular observávamos  o  Posto Administrativo, de construção atrativa apesar do distante ano em que foi erguido, coroado com enorme telhado que lhe dava uma expressão de grandiosidade. Defronte achava-se o jardim público que cativava os frequentadores dado o seu esplendor, arborizado com espécies bem selecionadas e recheado de canteiros bem aflorados. Era sob a bênção das suas sombras, que os mais petizes corriam de forma desordenada, em que os adolescentes pensavam o futuro e os mais velhos punham a conversa em dia  ou então jogando à “sueca”. Pelo meio ia-se comendo, bebendo entre a repartição das merendas. Era já com o sol a esconder-se e o luar a espreitar, que os passeantes se despediam de Marracuene com um até breve. Hoje, lá longe aquele oásis africano continua a ser evocado como uma terra maravilhosa e hospitaleira, que jamais será esquecida no tempo.

Manuel Terra